O ciclo económico na Europa está a mudar. A inflação está a desacelerar a bom ritmo e os salários a aumentar, mas a economia está fraca, a precisar de estímulo e músculo. Todos estes fatores estão por detrás das mais recentes descidas dos juros do Banco Central Europeu (BCE), e continuam a fazer pressão para que haja um novo corte das taxas na reunião da próxima quinta-feira, dia 17 de outubro. Este alívio da política monetária já está, aliás, a ter impacto direto nos bolsos das famílias em Portugal, aumentando o poder de compra e a capacidade de poupança, bem como reduzindo o custo nos créditos habitação. E também tem efeitos no investimento imobiliário. Neste artigo preparado pelo idealista/news, explicamos com a ajuda de especialistas o que está na origem da descida dos juros do BCE e qual o seu impacto na habitação e no mercado.
O que motiva a descida dos juros do BCE?
Qualquer decisão de política monetária tem impacto na vida das famílias, das empresas e investidores, e é por isso mesmo que o BCE liderado por Christine Lagarde tem em conta vários indicadores económicos, desde a inflação à evolução do PIB na área da moeda única. Foi, aliás, com base na análise dos dados e projeções mais recentes, que depois dos vários movimentos de subida o regulador da zona euro resolveu baixar as suas taxas de juros diretoras já por duas vezes, uma na reunião de junho e outra na de setembro, deixando-as abaixo dos 4%.
Na próxima semana, o BCE volta a ser chamado para decidir o rumo que vai dar à política monetária. E para se entender o que está em causa, estes são os principais indicadores que o guardião do euro vai ter em conta antes fixar (ou não) um novo corte de juros, na reunião agendada para a quinta-feira, dia 17 de outubro:
- Inflação na zona euro: deverá descer dos 2,2% em agosto para 1,8% em setembro de 2024, o valor mais baixo desde o início de 2021, segundo estima o Eurostat. Esta descida foi sustentada pela queda dos preços da energia (-6% em termos homólogos). Por outro lado, os preços dos serviços são os que mais têm sustentado a inflação (+4% em setembro);
- Inflação subjacente na zona euro (que exclui energia e alimentos não processados): esta taxa abrandou em setembro para 2,7%, quer comparando com os 2,8% de agosto quer com os 5,5% homólogos. Embora este indicador ainda se mantenha acima do objetivo do BCE (de 2%), “a tendência desinflacionista é inegável e dará cobertura a uma maior flexibilização monetária”, explicam os analistas da Ebury Portugal ao idealista/news;
- Mercado de trabalho: a taxa de desemprego da área euro foi de 6,4% em agosto, estando estável face ao mês anterior e abaixo da verificada há um ano (6,6%), refere o Eurostat. Assim, o mercado de trabalho europeu permanece resiliente. Já “os salários continuam a aumentar a um ritmo elevado” tendo impacto em alta na inflação, disse o BCE nas notas da sua última reunião realizada em setembro;
- Crescimento económico: a economia europeia apresentou‑se “mais fraca” do que o esperado pelo BCE, com um crescimento tímido do PIB de apenas 0,2% no segundo trimestre de 2024. “A situação na indústria e na construção não é boa, as pessoas estão a gastar menos e as empresas a cortar investimentos”, detalhou na última reunião. “O índice global de atividade empresarial PMI de setembro, que constituem o indicador económico mais fiável da zona euro, (…) já se encontra em níveis consistentes com uma contração económica a nível agregado na zona euro”, alertam desde a Ebury. Ainda assim, o regulador europeu estima que a economia deverá recuperar de forma gradual, de 0,8% em 2024 para 1,3% em 2025. “A subida dos salários e a descida da inflação significam que, no futuro, as pessoas poderão comprar mais”, admitem desde o regulador europeu. E, com a descida dos juros, também poderá haver mais investimento;
- Contexto geopolítico: o BCE também continua de olhos postos nos desenvolvimentos da guerra na Ucrânia e do conflito do Médio Oriente, uma vez que “são importantes fontes de risco geopolítico” para uma subida da inflação, podendo criar perturbações no comércio mundial e fazer subir os preços dos produtos energéticos. “Além disso, fenómenos meteorológicos extremos e a atual crise climática, mais em geral, podem elevar os preços dos produtos alimentares”, apontam ainda;
- Decisões da Reserva Federal dos EUA (Fed): embora seja uma entidade independente, o BCE continua bem atento às decisões da Fed, que decidiu cortar os juros em 50 pontos base em setembro, a primeira vez em quatro anos. Isto porque as decisões da Fed acabam por se refletir nas taxas de câmbio do euro face ao dólar, mexendo com os negócios internacionais. E ainda acaba por ter impacto nas taxas Euribor.
BCE pressionado a descer os juros em outubro
Os últimos dados económicos mostram, assim, que a inflação na zona euro está abaixo do objetivo de 2% do BCE, ao mesmo tempo que a economia europeia está mais vulnerável. É por tudo isto que há cada vez mais analistas de mercado, e até membros do regulador europeu, a defender um alívio da política monetária mais rápido e a antecipar um novo corte dos juros diretores no próximo encontro.
“Uma política monetária que permaneça restritiva durante demasiado tempo corre o risco de fazer com que a inflação fique abaixo do seu objetivo”, que é de 2% no médio prazo, frisou Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP) na semana passada. Na sua visão, “o estado atual da economia da área do euro, juntamente com as condições prevalecentes em termos de preços e do mercado de trabalho exigem uma resposta do BCE: uma redução nas taxas de juro”, sublinhou ainda, apelando a uma “previsibilidade maior da política monetária”.
É pelos mesmos motivos que o governador do Banco de França, François Villeroy de Galhau, admite que uma nova descida dos juros do BCE em outubro “é muito provável” e “não será a última”. “O equilíbrio de risco está a mudar. Nos últimos dois anos, corremos o risco de ultrapassar a nossa meta dos 2%. Agora, temos de estar atentos ao risco oposto, para não perdermos o nosso objetivo perante um crescimento fraco e uma política monetária demasiado restritiva durante demasiado tempo”, disse.
Taxa de refinanciamento do BCE: como está a evoluir?
O atual contexto económico, por si só, já está a pressionar o BCE a reduzir novamente as taxas na reunião de outubro, uma hipótese que é dada “quase como certa” pelos mercados, referem os analistas da Ebury Portugal. “Parece viável que a fragilidade da economia europeia, e em particular do setor industrial alemão, indique que os cortes nas taxas serão mais agressivos do que pensávamos há algumas semanas e a queda acentuada da Euribor reflete isso mesmo”, apontam.
Além disso, “a escalada da tensão no Médio Oriente apenas aumentou a pressão sobre o BCE para flexibilizar a política e conceder apoio monetário à economia”, embora a redução dos juros “pouco ajude a economia europeia face a um novo aumento dos preços da energia”, argumentam ainda desde a Ebury.
A própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) já deixou uma recomendação global de que “há espaço para reduzir as taxas de juro”, embora a política monetária deva continuar “prudente”. “Nos EUA e na área do euro projeta-se que as taxas de juro diretoras diminuam mais 1,5 e 1,25 pontos percentuais, respetivamente, até ao final de 2025, aproximando-as de níveis neutros”, sinalizou a instituição internacional no final de setembro.
Como a descida dos juros impacta a habitação e o imobiliário?
As descidas das taxas de juro diretoras do BCE – as já realizadas e as que se aguardam num futuro próximo – , além dos efeitos macroeconómicos e no sistema financeiro, mexem sempre com a carteira das famílias, empresas e investidores. “As taxas de juro mais baixas tendem a ter um impacto positivo no mercado imobiliário”, resume Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), em declarações ao idealista/news.
Este “impacto positivo” na habitação e imobiliário acaba por ser bem visível por duas vias: por um lado, há maior procura de casa por famílias devido ao crédito habitação mais barato, e por outro, a criação de oferta habitacional pode sair favorecida, porque o financiamento bancário fica mais acessível aos investidores e promotores imobiliários.
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Mais procura de casas com crédito habitação mais barato
As recentes descidas dos juros do BCE já estão a ser refletidas nos novos créditos habitação em Portugal. Isto porque a Euribor já está a descer há vários meses e os bancos têm oferecido empréstimos a taxas mistas mais acessíveis, que representam atualmente a maioria dos empréstimos para compra de casa própria. Tanto assim é que a taxa de juro média nos novos créditos habitação fixou-se em 3,43% no mês de agosto, o nível mais baixo desde o início de 2023, segundo os dados mais recentes do BdP.
“Reduzir os custos associados ao crédito habitação, torna a compra de imóveis mais acessível para as famílias. Este fenómeno pode impulsionar a procura por imóveis, especialmente por parte de jovens e famílias que, até agora, se viam afastadas da possibilidade de adquirir uma habitação própria devido ao aumento dos encargos com empréstimos e que, por isso, neste período foram arrastados para o mercado de arrendamento”, completa o porta-voz dos investidores e promotores imobiliários.
O mesmo diz Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal: “A descida das taxas de juro recoloca várias famílias na possibilidade de acesso a crédito habitação e consequentemente aquisição de imóvel, pelo que gera mais pressão do lado da procura no mercado imobiliário”. Mas este especialista no mercado hipotecário alerta que “é importante ter atenção ao risco de endividamento excessivo e à adequação da procura face às necessidades de cada família, dado que outros choques podem ocorrer, sendo recomendável uma gestão responsável do orçamento familiar”.
Taxa de juro média dos novos empréstimos habitação
Portanto, para quem quer comprar casa com recurso a crédito habitação, “uma descida das taxas de juro pode significar, momentaneamente, um aumento do poder de compra na habitação. Ora, se a prestação se torna mais baixa, por via de uma taxa também ela mais baixa, torna-se possível recorrer a mais crédito com o mesmo desembolso mensal, logo, consegue-se pagar mais por uma casa”, explica ao idealista/news Gonçalo Nascimento Rodrigues, coordenador da pós-graduação em investimentos imobiliários do Iscte Executive Education.
O que os dados mais recentes do BdP também nos dizem é que houve um aumento do montante concedido em novos empréstimos habitação em agosto para 1.545 milhões de euros, sendo este “o valor mais elevado desde março de 2022”. Trata-se de um aumento em 20% face ao mês anterior e de 47% face a agosto de 2023.
Esta descida dos juros também é uma boa notícia para quem já está a pagar um crédito da casa. “Naturalmente que uma descida das taxas de juro tornará esse crédito menos dispendioso, libertando rendimentos para outro tipo de funções, seja de consumo, seja de poupança ou investimento”, refere Gonçalo Nascimento Rodrigues. E dá um exemplo: quem já esteja a pagar um crédito habitação de 200 mil euros para um prazo de 30 anos, “cada ponto percentual de quebra dos juros representa uma poupança mensal entre 100 a 120 euros”.
Sobre o futuro, o que se tem sentido no mercado é que “a Euribor continua a cair acentuadamente, à medida que os mercados esperam novos cortes do BCE”, referem desde a Ebury Portugal. E a presidente do BCE veio a público dizer que acredita que as taxas Euribor continuem a baixar mediante reduções nas taxas de juro do BCE. “Esperamos ver uma folga […], não parando uma descida das taxas hipotecárias [Euribor] à medida que as taxas de juro continuam a descer ao longo dos próximos meses”, declarou Christine Lagarde, embora não se comprometa com uma trajetória específica dos juros do BCE.
Euribor a 3, 6 e 12 meses: como evoluiu nos últimos anos?
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Maior capacidade de financiamento das empresas imobiliárias
Esta descida dos juros do BCE reflete-se, por outro lado, nas empresas na fileira do imobiliário e da construção, uma vez que vão conseguir aceder a financiamentos bancários mais acessíveis. E não só.
Na visão do presidente da APPII, a recente descida das taxas de juro “deve ser interpretada como uma resposta natural à estabilização económica e aos esforços para conter a inflação, tornando o crédito mais acessível e favorecendo o investimento”. Portanto, “a descida dos juros incentiva também os investidores a procurar alternativas de aplicação do seu capital, sendo o setor imobiliário uma das opções mais seguras e atrativas”, aponta Hugo Santos Ferreira.
Assim, a redução dos juros do BCE acaba por ser uma forma de estimular a economia e o mercado de trabalho. “Esse maior dinamismo pode ser obtido por via de menores custos de financiamento às empresas, procurando que estas tenham maior capacidade de investimento e, logo, maior necessidade de contratação, além de uma maior disponibilidade para pagamento de salários superiores”, acrescenta Gonçalo Nascimento Rodrigues.
Ao nível do investimento estrangeiro em Portugal também pode haver impacto, sobretudo, se a política monetária da Fed não andar alinhada com a do BCE. A robustez demonstrada pelo mercado laboral dos EUA em setembro veio arrefecer a pressão da Fed, liderada por Jerome Powell, em descer os seus juros de referência na próxima reunião, depois de ter iniciado o primeiro corte em 50 pontos base em setembro. Portanto, se o BCE descer os juros a um ritmo mais rápido que a Fed, o euro irá desvalorizar face ao dólar, o que significa que os investidores norte-americanos terão maior poder de compra de imóveis no espaço europeu, Portugal inclusive.
Subida dos preços das casas: a consequência do atual contexto económico
As recentes descidas dos juros dos créditos habitação e o maior poder de compra já se tem refletido no mercado residencial português, que está a ganhar outro dinamismo. Entre abril e junho de 2024, foram vendidas 37.125 habitações em Portugal, mais 10,4% face há um ano. E este foi mesmo o primeiro aumento do número de casas vendidas depois de dois anos de quedas, revelaram os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas a retoma da venda de casas acabou mesmo por acelerar o aumento dos preços das casas no nosso país, tendo subido 7,8% neste período.
Este terá sido apenas o início de mais um ciclo de subidas dos preços das casas em Portugal a grande velocidade, antecipam os especialistas ouvidos pelo idealista/news. Esta pressão em alta sobre o custo da habitação deve-se a um conjunto de fatores, como:
- Taxas de juro em queda que tornam os créditos habitação mais acessíveis;
- Isenção de IMT e Imposto de Selo na compra de habitação própria e permanente por parte de jovens com menos de 35 anos;
- Garantia pública na compra de habitação própria e permanente, para jovens com menos de 35 anos, possibilitando na prática um financiamento a 100%;
- Economia a crescer;
- Inflação a mostrar sinais de estabilização em baixa;
- Poder real de compra a subir;
- Situação de pleno emprego.
Evolução do preço das casas em Portugal
“Todos estes pontos acabam por atuar do lado da procura de casa, tornando o mercado ainda mais desequilibrado e colocando maior pressão em alta nos preços de venda”, destaca Gonçalo Nascimento Rodrigues, alertando ainda que “sem uma atuação do lado da oferta que seja clara, forte, constante e previsível no tempo, dificilmente a habitação se tornará mais acessível à generalidade dos portugueses”.
Este aviso também é dado por Hugo Santo Ferreira: “O mercado imobiliário está a atravessar uma fase de ajustamento, e, apesar de o financiamento mais barato ser um catalisador de oportunidades, a escassez de oferta continua a ser um desafio que precisamos de enfrentar de forma estratégica. A oferta insuficiente, sobretudo no segmento da habitação acessível, vai certamente criar pressões adicionais nos preços, pelo que a tendência de subida dos preços vai-se manter”, indica.
Portanto, este novo ciclo económico acaba por ter duas caras. “Para as famílias, esta conjuntura traz, por um lado, oportunidades de crédito mais acessível e, por outro, o desafio de encontrar imóveis disponíveis que respondam às suas necessidades. É, por isso, fundamental continuar a trabalhar em medidas que equilibrem a oferta e a procura, assim como promover políticas públicas que favoreçam a construção de habitação, garantindo que o mercado imobiliário português se mantém sustentável e acessível a todos”, conclui o presidente da APPII.
Fonte: Idealista/news