24 de Abril, 2024 gcoelho

25 de Abril: o que mudou na habitação em 50 anos de democracia?

Habitação existente em Portugal duplicou. Mas há mais casas vazias e residências principais perderam peso, diz INE.
Habitação no 25 de abril
Getty images

Há 50 anos, Portugal vivia um momento histórico, que punha fim à ditadura de Salazar, a mais longa da Europa Ocidental no século XX (48 anos). O dia 25 de abril de 1974 foi marcado pela Revolução dos Cravos, pela democracia e liberdade de expressão. E também abriu caminho para a reivindicação do direito à habitação, numa altura em que a falta de casas era ainda mais expressiva do que hoje, levando muitas famílias a viver em casas clandestinas, em bairros de lata improvisados, ou em imóveis sem condições. De lá para cá, muito mudou na habitação em Portugal: o negócio do crédito habitação fomentou a compra de casa própria e a construção floresceu, tendo duplicado o número de casas existentes em 50 anos e quase triplicado as casas disponíveis para venda ou arrendamento.

Mas as habitações de residência principal passaram a ter menor expressão do que na década de 70 por várias circunstâncias, nomeadamente falta de atratividade fiscal e alta carga burocrática na área do imobiliário. E também há mais casas vazias, sem rumo. Estas são algumas mudanças na habitação em Portugal em cinco décadas de democracia que são espelhadas nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), que o idealista/news passou a pente fino na celebração dos 50 anos do 25 de Abril.

Mais casas e famílias em 50 anos de democracia 

Na época do 25 de Abril de 1974, viviam 8,6 milhões de pessoas em Portugal, que se reuniam em 2.345.225 agregados familiares, quase metade compostos por quatro ou cinco pessoas. Para estas famílias encontrar uma casa digna para viver era uma tarefa bem difícil na década de 70. Primeiro porque só havia 2.702.215 apartamentos e moradias construídas, ou seja, 1,15 casas por agregado, levando muitos a construir casas clandestinas em bairros de lata, principalmente, junto aos grandes centros urbanos de Lisboa e do Porto. E, depois, porque havia uma percentagem significativa de casas sem água canalizada, duche, instalações sanitárias, esgotos, eletricidade ou cozinha, tal como se pode concluir a partir de uma análise feita pelo idealista/news aos dados do INE consultados na Pordata.

Casas e famílias: quantas havia na época do 25 de abril?

Desde então, a população portuguesa cresceu 20% chegando às 10,3 milhões de pessoas, segundo os dados do Censos 2021. E também há mais agregados familiares (4.149.096), muito embora sejam bem mais pequenos, sobretudo, formados agora por uma ou duas pessoas. Neste período, a construção de habitação em Portugal deu o salto, tendo mesmo duplicado a oferta de casas existentes entre 1970 e 2021, de tal forma que passou a haver mais 1,8 milhões de casas do que agregados familiares no país.

E embora continuem a existir problemas de conforto térmico e humidade nas habitações em Portugal, a qualidade das casas melhorou – e muito – nas últimas cinco décadas. “A ausência de eletricidade, água canalizada ou saneamento básicosão questões que se colocam de forma muito pontual, ao contrário do problema generalizado que ainda persistia em meados da década de 1970 e que afetava milhões de portugueses. Do ponto de vista habitacional, vivemos, certamente, muito melhor”, disse Gonçalo Antunes, professor e investigador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (NOVA FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, neste artigo publicado pelo idealista/news há um ano.

Apesar deste aumento do parque habitacional existente, encontrar uma casa para viver continua a ser difícil para os portugueses hoje em dia. Os dados do INE mostram que só há 12% de casas vagas face ao total de apartamentos e moradias existentes. E, destas, menos de metade estão para venda ou arrendamento. As outras casas estão vazias por outros motivos. Perante o elevado número de casas vazias no país, o antigo Executivo socialista de António Costa aprovou o arrendamento coersivo de casas devolutas, uma medida que deverá ser revogada pelo novo Governo da Aliança Democrática liderado por Luís Montenegro, assim como outras medidas do Mais Habitação.

A par de tudo isto, as famílias deparam-se com um mercado habitacional mais competitivo, marcado por uma elevada procura face à oferta, que nos últimos anos tem feito escalar os preços das casas para comprar ou arrendar a ritmo muito superior ao crescimento dos salários. Depois de uma fase marcada por dinheiro barato, baixa inflação e facilidades nos empréstimos para comprar casa, o acesso ao crédito habitação também está agora mais difícil, sobretudo para quem tem baixos salários, uma vez que os juros se mantêm elevados, estando uma descida da Euribor, que impacta diretamente as prestações da casa, à vista apenas para o verão.

Habitação no 25 de abril
Getty images

Casas de residência principal perdem peso em 50 anos – mas casas de férias ganham

O número de moradias e apartamentos existentes em Portugal mais do que duplicou em 50 anos de democracia: em 2021 – data dos últimos Censos – contabilizaram-se 5.970.677 habitações existentes, mais 120% que os 2.702.215 alojamentos clássicos registados no ano de 1970.

Importa ressalvar que, na altura, a legislação da propriedade horizontal criada em 1955 estava a dar os primeiros passos e o direito à habitação só ficou consagrado na Constituição de 1976, uma herança da Revolução de Abril.  Além disso, “a época do 25 de abril marca também uma época de generalização do acesso ao crédito, incentivando-se a aquisição de casas em regime de propriedade horizontal”, recordou Paulo Tormenta Pinto, arquiteto e professor catedrático no ISCTE, ao idealista/news.

Este crescimento do parque habitacional português permitiu, assim, alojar mais famílias, contabilizando-se mais de 4 milhões de habitações ocupadas enquanto residência principal (+84% face a 1970). Mas o aumento mais expressivo é visível nas casas de férias: se em 1970 só existiam 75.570, 50 anos depois passou a haver 15 vezes mais, superando 1 milhão de alojamentos sazonais.

A diferença é também visível analisando o peso das habitações de residência principal face ao total de alojamentos ocupados. Em 2021, só 5 em cada 10 casas correspondiam à primeira habitação (53% das casas ocupadas nesse ano). Esta proporção é bem inferior à registada na década de 70, já que na altura do 25 de Abril quase todas as casas ocupadas eram de residência principal (97%). Já o peso das casas de férias aumentou substancialmente em cinco décadas: em 1970, só 3% dos alojamentos familiares clássicos ocupados diziam respeito a residências secundárias ou de uso sazonal. Mas em 2021 a percentagem de casas de férias aumentou para 21%, ou seja, mais 18 pontos percentuais.

Este aumento das casas de férias ocupadas poderá estar relacionado com a chegada de mais estrangeiros ao país nas últimas décadas (e com maiores rendimentos), incentivados por programas como o vistos gold para investimento imobiliário e o regime de residentes não habituais (RNH), além da cultura, clima e boa qualidade de vida que Portugal oferece. Ambos os programas terminaram, o primeiro em outubro de 2023 com o Mais Habitação e o segundo com o Orçamento de Estado para 2024. E, ao que tudo parece permitir concluir, o fim destes programas já está a ter efeitos no mercado residencial português, em especial na procura de casas de luxo.

Casas vazias em Portugal sobem 52% desde 1970

Quanto às casas vazias em Portugal, também houve um aumento quase em linha com a evolução das casas existentes, passando de 373.950 alojamentos vagos em 1970 para 723.215 em 2021 (+93%). Esta evolução espelha um crescimento das casas disponíveis para venda ou arrendamento, mas também das casas vazias e sem qualquer utilização, mostram os dados do INE:

  • Casas disponíveis para vender ou arrendar: na década de 70 havia apenas 126.535 alojamentos no mercado de compra e venda e arrendamento, um número que quase triplicou em 2021 para 348.097 habitações;
  • Casas vazias por outros motivos: nos anos 70 havia 247.415 casas vagas. Este número subiu 52% para 375.118 alojamentos vazios em 2021. Ou seja, há mais 127.703 casas vagas em Portugal do que há cinco décadas. As casas vazias de propriedade privada poderão continuar sem rumo, uma vez que o novo Governo de Montenegro quer revogar o  arrendamento coersivo de casas devolutas, sem dar outra solução para estes casos.

Assim, as casas vazias sem destino continuam a pesar mais de metade do total de alojamentos familiares clássicos vagos mesmo 50 anos depois do 25 de Abril de 1974. E o aumento da oferta de casas existentes em Portugal está a ser mais absorvido por quem tem maior poder de compra para adquirir casas de férias do que por quem precisa de adquirir aquela que é a sua primeira habitação, é possível concluir a partir dos dados do INE.

Casas ocupadas e vazias em Portugal: o que mudou em 50 anos?

Portanto, a habitação em Portugal muito mudou em 50 anos de democracia. Mas ainda há muito que falta fazer, nomeadamente dar mais incentivos à compra da primeira casa, à remodelação e colocação de casas vazias no mercado e também à construção de mais habitações. Estes são alguns pontos que o novo Governo liderado por Luís Montenegro quer resolver na próxima legislatura, nomeadamente dando a isenção de IMT e imposto de selo aos jovens até aos 35 anos para comprar a sua primeira casa, colocando património público vazio no mercado da habitação e dar IVA de 6% na construção e reabilitação. Resta saber se vai conseguir implementá-las sem maioria parlamentar.
Fonte: Idealista/news