14 de Dezembro, 2023 gcoelho

Ansiedade e frustração: o impacto da habitação na saúde mental

Especialistas analisam de que forma a crise habitacional está a impactar o bem-estar emocional e psicológico das famílias.

acesso à habitação

Ter uma casa para viver é um direito. Para muitos, nos dias de hoje, quase parece ser um luxo. A crise na habitação, a par do aumento do custo de vida, foi empurrando as famílias para situações limite: faz-se ginástica financeira para pagar as contas e ter dinheiro para a prestação do crédito habitação ou a renda da casa; é preciso voltar para casa dos pais, e há quem nem consiga sair de lá para tornar-se independente. Para outros, viver com o orçamento apertado obriga a partilhar casa, ter de mudar de vida, de cidade, ou até de país.

Os preços das casas, as contas do supermercado e das despesas domésticas, e também os juros, foram subindo na mesma proporção que o medo e a incerteza, e os reflexos nasaúde mental são quase inevitáveis. E o drama de perder a casa para o banco ou que os senhorios ponham um ponto final num contrato de arrendamento paira na cabeça de muitas pessoas, gerando situações de ansiedade e frustração. Afinal, por que é que em Portugal continua a ser tão difícil comprar ou arrendar uma casa? E como é que as dificuldades no acesso à habitação impactam o bem-estar emocional e psicológico?

Com a ajuda de mediadores, psicólogos, economistas, e relatos de pessoas que, por uma razão ou outra, enfrentam ou já enfrentaram dificuldades no acesso à habitação, o idealista/news procura analisar a raiz dos problemas que Portugal enfrenta, e de que forma a crise habitacional está a impactar o bem-estar emocional e psicológico das famílias.

 

Por que é que tão importante falar de saúde mental?

“A habitação é uma necessidade indispensável e de base para todas as pessoas. Quando falamos numa crise na habitação, falamos de uma perda de uma necessidade basilar, do aumento da insegurança, do stress habitacional e dos níveis de ansiedade e depressão. É, portanto, difícil prever níveis positivos de bem-estar quando uma dimensão tão vital é colocada em causa”, explica Joana Lopes, psicóloga da Happytown Portugal.

A especialista confirma que as dificuldades em pagar uma renda ou uma prestação da casa impactam negativamente a saúde psicológica e podem aumentar a probabilidade de desenvolvimento de alterações emocionais ou, inclusive, o aumento de situações de ansiedade e depressão. Verifica-se, diz, um “aumento de questões associadas à crise económica e habitacional na prática clínica”.  “É natural que assim seja, considerando que estamos perante uma situação que coloca em causa necessidades básicas do ser humano”, sublinha.

saúde mental
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A saúde mental tem tanta importância quanto a saúde física (estão, aliás intimamente relacionadas) sendo fundamental combater o estigma que lhe está associado, segundo a psicóloga. Representa o direito a viver uma vida saudável, independentemente das condições ou circunstâncias.

E na Europa discute-se cada vez mais o tema, tanto que o Parlamento Europeu aprovou esta terça-feira, 12 de dezembro de 2023, um relatório sobre saúde mental, no qual apela aos Estados membros para que priorizem e melhorem o acesso aos serviços de saúde mental, especialmente para grupos vulneráveis.

A relatora principal do documento, eurodeputada Sara Cerdas, revela os problemas de saúde mental afetam mais de 150 milhões de cidadãos europeus e que uma em cada duas pessoas na União Europeia (UE) vive ou passou por depressão ou ansiedade. Quase metade dos jovens diz que não tem os cuidados de saúde mental de que necessita, e o suicídio é a segunda causa de morte nesta faixa etária. Alertando que, qualquer pessoa, em qualquer momento, pode ter uma saúde mental mais fragilizada, os eurodeputados consideram necessário uma abordagem da saúde mental em todas as políticas.

Como a habitação está a condicionar o presente e futuro

As dificuldades atingem diferentes famílias e de diferentes modos, mas acabam sempre por condicionar as decisões e o rumo que se quer dar à vida. Em alguns casos, por exemplo, o aumento das prestações do crédito habitação está a criar novos problemas a pessoas, que, mesmo com emprego, não conseguem pagar a alimentação ou a educação dos filhos. Há famílias com empréstimos, por exemplo, a pedir ajuda ao Banco Alimentar, segundo declarações recentes da presidente da instituição, Isabel Jonet. “Temos agora famílias da classe média, sobretudo a classe média baixa, que tinham comprado casa, mas que não conseguem acomodar agora o aumento das taxas de juro”, adianta a responsável, que teme que a situação financeira de muitas famílias vá piorar no início do próximo ano.

Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, confirma que há cada vez mais casos e relatos de pessoas a enfrentar novas dificuldades. “Infelizmente, são situações mais frequentes do que possamos imaginar. Famílias que trocam de casa para uma tipologia abaixo das suas necessidades, jovens que são forçados a vender os seus imóveis e a voltar para casa dos pais ou mesmo famílias que mudam do centro cidade para zonas periféricas. São várias as histórias de clientes vendedores que nos chegam em que vender o seu imóvel é já a única solução que têm para sobreviver”, conta o mediador.

Massimo Forte, consultor e formador especializado em imobiliário, diz que “quem é assalariado não tem grandes hipóteses de aumento do seu rendimento, e por isso, tem esgotado as suas poupanças ou deferido a dívida com a ajuda do Estado/Banca”, salientando, porém, que “mais tarde ou mais cedo, o problema vai voltar a bater à porta”. “Algumas pessoas não estavam preparadas para este impacto e isso provocou um enorme stress obrigando-as a abalar a sua segurança ou a sua saúde, pois muitos também optam por um segundo trabalho para suportar a prestação ou renda da casa”, analisa.

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Sofia Abreu, por exemplo, vive com o namorado há mais de quatro anos numa casa arrendada em Famalicão, no distrito de Braga. Conta ao idealista/news que já no início de 2019, encontrar casa para arrendar naquela zona revelou-se bastante difícil. Não havia oferta e a que havia era a preços muito elevados. Assim que surgiu uma oportunidade a um preço mais acessível e junto ao centro da cidade, não pensaram duas vezes e arrendaram um apartamento.

“A renda da casa manteve-se estável durante todos estes anos, até que no final do ano passado o senhorio informou-nos que teria de subir o valor da renda devido à alta inflação e custos de financiamento. Ficámos preocupados e ansiosos com a dimensão da subida da renda. Ainda tentámos negociar, mas não tivemos sorte, e o valor acabou mesmo por subir 100 euros. Como sair da casa para outra estava fora de questão porque o problema da falta de oferta de casas para arrendar agravou-se, além de estarem ainda mais caras face a 2019, não tivemos escolha e acabámos por aceitar. Todo este cenário apertou ainda mais as nossas contas mensais e deixou-nos preocupados quanto ao futuro, porque afinal podem surgir novas subidas da renda de um momento para o outro e, por agora, não temos condições financeiras para trocar de casa, seja para arrendar ou para comprar”, explica a fisioterapeuta.

Já Ana Maria Fonseca foi apanhada de surpresa pela anterior crise do subprime, com uma subida na Euribor que tocou os 5% e quase fez duplicar a prestação do crédito habitação que tinha pedido para pagar o apartamento de solteira, comprado em 2008 no centro de Lisboa. Tinha a certeza de que se voltasse a comprar uma casa não queria viver novamente a sensação de ansiedade financeira que sentiu, gerada pela taxa variável e lhe comprometeu a saúde psicológica e o orçamento. E assim foi.

Em 2017, deu o passo de adquirir uma moradia, desta vez com o marido, para irem viver com os dois filhos pequenos nos arredores de Madrid. Na altura, esta profissional da comunicação optou por um crédito habitação com taxa fixa – mesmo apesar de ser então a época dos juros negativos – e hoje, agradece ter tomado essa decisão. No atual contexto de subidas de juro e despesas mais altas, permite-lhe viver com maior tranquilidade na hora de gerir as finanças familiares. “Com ajustes, mas sem sofrimento”, partilha.

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Foto de Bethany Ferr no Pexels

João Fonseca e a namorada, com 31 e 30 anos, vivem há quase uma década em Oeiras, longe da família. Têm raízes no distrito de Coimbra, onde cresceram e estudaram, mas vieram trabalhar para Lisboa depois de deixarem a universidade, à procura de oportunidades e de “uma vida melhor”. Foram saltando entre quartos e casas arrendadas, com foco em construir uma poupança que lhes permitisse, um dia, comprar uma casa na zona ou mesmo arredores da Grande Lisboa. O sonho foi ficando cada vez mais distante, face à subida dos preços das casas, e a frustração e stress foram-se adensando. A renda subiu 200 euros no início deste ano e começaram a “fazer contas à vida”. O pequeno T1 onde vivem deixou de fazer sentido, não pelos metros quadrados, mas “porque seria impossível construírem ali um projeto de vida”, conta o analista de dados.

Na impossibilidade de comprarem casa nesta zona, decidiram colocar em cima da mesa a hipótese de regressar à sua cidade, no interior do país, com uma população de cerca de 20.000 habitantes, onde já teriam capacidade para “dar a entrada” para a compra de um apartamento no valor de 150 mil euros – menos do dobro ou triplo do que seria necessário para continuar a viver na região de Lisboa. Manter os empregos sempre foi uma prioridade e, antes de dar esse passo, procuraram chegar a acordo com as suas empresas para teletrabalhar e deslocarem-se, sempre que necessário, à capital. Tiveram “luz verde” e devem mudar-se no próximo ano, quando o apartamento estiver concluído.

  • Jovens e a compra da primeira casa

Os desafios da habitação são uma realidade e, no caso dos jovens, ainda maiores. A compra da primeira casa é cada vez mais tardia e a realidade tende a agravar-se. A raiz do problema é, multifatorial, mas está a atingir grandes proporções. Segundo os especialistas ouvidos pelo idealista/news, os salários praticados em Portugal são um dos principais problemas, e muito baixos face ao custo mensal de uma habitação, quer em compra quer em arrendamento.

“Se há duas décadas um jovem podia obter um empréstimo, somado a um crédito pessoal e contrair deste modo uma hipoteca para financiamento até 100% da aquisição de uma casa, hoje em dia, tal é impossível. Os baixos salários que se praticam em Portugal, especialmente para os mais jovens, aumentam a taxa de esforço e impedem que estes consigam contrair um empréstimo, caso não possuam um pé de meia razoável, entre 20% e 30% do valor de uma casa”, refere Ana Mação, consultora imobiliária na Keller Williams (KW).

“Tudo aponta para que no futuro este valor venha a subir até aos 40% ou até 50%, como já aconteceu nos idos anos 80/90. Por outro lado, muitos jovens possuem um vínculo contratual de curto prazo, o que dificulta a tarefa de aprovação do crédito”, acrescenta a responsável.

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Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal, partilha da mesma opinião, considerando que, no caso dos jovens, um dos desafios são os salários, “tendencialmente mais baixos no início da carreira profissional”. “Adicionalmente, a estabilidade e o período de vida profissional que muitas vezes não lhes permitiuacumular poupanças necessárias para responder às exigências mínimas para a compra de uma casa. A ajuda de familiar acaba por ser uma das soluções, sendo que também esses estão hoje mais pressionados fruto do encarecimento do custo de vida”, refere.

O especialista financeiro frisa que “o aumento do custo de vida dificulta a acumulação do aforro necessário para se fazer face ao valor mínimo necessário para a entrada e impostos quando se recorre a um crédito habitação para compra de uma casa”, situação que se torna particularmente difícil no caso dos jovens.

Para Ana Mação, os desafios enfrentados pela geração mais jovem são, por isso, “mais do que previsíveis”. “Sem meios para aquisição ou arrendamento de habitação, muitos jovens irão equacionar a emigração, opção infelizmente frequente para quem conclui a formação universitária”, indica

“O problema não está para quem quer mudar de casa, porque, à partida, conseguirá vendê-la por um preço melhor do que comprou. O problema são os jovens que querem agora entrar no mercado. Acho que as medidas aprovadas no programa Mais Habitação para promover habitação acessível, mais o terminar do incentivo fiscal aos residentes não habituais, dificilmente responde aos objetivos enfrentados pela nova geração e pelas famílias com menores possibilidades”, aponta Alfredo Valente.

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Acesso à habitação: qual a raiz do problema?

A economista Vera Gouveia Barros lembra que é importante, antes de mais, “falar em problemas de habitação, no plural, porque são vários, atingindo diferentemente diferentes segmentos da população”, até porque “há muito que desconhecemos, sobretudo porque não temos dados”. “A partir de 2017, o tema da habitação começou a merecer destaque mediático, por conta da subida dos preços. Mas, quando olhamos para as estatísticas relativas à carga mediana e à taxa de sobrecarga, vemo-las a decrescer, apesar do aumento do preço da habitação (claro que quem está fora do mercado, por não lhe conseguir aceder, não entra para estas estatísticas)”, explica.

“Como tenho repetidamente afirmado, o mercado da habitação tem um funcionamento demasiadamente específico para que a evolução do preço nos diga o suficiente sobre o respeito pelo direito à habitação. E eu, de facto, acho que o problema da habitação é a violação do direito à habitação. Ora, o direito à habitação é desrespeitado quando não conseguimos ter a casa a uma temperatura adequada, quando alguém com problemas de mobilidade tem de descer escadas para sair do prédio em que vive, quando se vive numa zona em que não há escolas de qualidade para os filhos, quando os jovens não se conseguem autonomizar dos pais, quando uma família deixa de crescer por não ter espaço para mais crianças, etc. E, sobretudo, a mais grave violação daquele direito: as pessoas em situação de sem-abrigo. Quando se fala em habitação e saúde mental, este é um tema incontornável, até porque a relação é bidireccional”, analisa a especialista.

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Foto de Tatiana Syrikova no Pexels

Na opinião de Massimo Forte, quem quer comprar ou arrendar casa em Portugal, sabe que vai ter pela frente um desafio grande em relação a disponibilidade e preços, pois continua a haver escassez de oferta e preços muito elevados face aos rendimentos que a maioria dos portugueses aufere. “A ansiedade e frustração começa na falta de oferta relevante, ou seja, oferta equilibrada para quem pretende habitar seja comprando ou arrendando e depois, existem ainda outros desafios que aumentam estes sentimentos como acesso a crédito mais caro, financiamentos mais difíceis e arrendamentos precários”, diz.

Para este especialista, em Portugal “falta tudo”, e “não apenas incentivos porque nem tudo se resolve com dinheiro”. Falta uma política habitacional competitiva, transparente e de médio e longo prazo.  “As cidades principais portuguesas estão cada vez piores em relação à mobilidade entre centro e subúrbios e isso origina falta de opção de escolha, frustração e pressão em que muitas vezes a única hipótese é viver em quartos, uma realidade dura por não ser o objetivo para quem decide viver assim e que tem vindo a aumentar”, sublinha.

“O equilíbrio do mercado imobiliário faz-se no arrendamento e não na especulação imobiliária, pergunto, há quanto tempo não existe um mercado de arrendamento em Portugal que beneficie ambas as partes?”, argumenta.

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Foto de Ron Lach no Pexels

Por sua vez, a consultora da KW, Ana Mação, considera que não há uma só razão que justifique os problemas de acesso à habitação em Portugal. A responsável elege quatro principais motivos: escassez de imóveis de nova construção, subida dos custos de construção; escassez de terrenos urbanizados ou urbanizáveis nas principais áreas metropolitanas de Lisboa e Porto; e a perda de competitividade no setor imobiliário, que dificulta a redução dos preços, mesmo com a dissipação dos efeitos da inflação, face à pressão fiscal, aumentos dos atrasos nos licenciamentos e regulamentação no setor da construção mais exigente e complexa.

  • Crédito habitação, juros e taxas de esforço

Quem comprou casa debate-se, agora, com a subida dos juros e problemas em gerir a taxa de esforço. Miguel Cabrita, do idealista/créditohabitação, confirma que a escalada nas taxas de juro “afetou muitas famílias com crédito habitação, uma vez que a taxa variável era a modalidade da maioria das famílias em Portugal”. “Várias famílias viram a prestação do seu empréstimo subir significativamente e não estavam minimamente acautelados para tal, somando ao encarecimento dos produtos em geral fruto da inflação”, explica, acrescentando que “a maioria dos novos créditos à habitação são em taxa mista ou fixa, não só fruto da segurança que este tipo de produtos oferece, mas também por se encontrar no mercado solução em taxa mista ou fixa abaixo dos valores atuais da Euribor”.

Para economista Vera Gouveia Barros, e “não minimizando de modo algum as dificuldades por que algumas famílias com crédito habitação estão a passar”, é importante enquadrar alguns aspetos referentes à subida das taxas de juro:

“Primeiro, os Censos mostram que a maioria das famílias portuguesas vive em casa própria que está paga. Segundo, o crédito habitação costuma ser contratado com prestação constante (não confundir com taxa fixa). Isto significa que a sua composição em termos de amortização/juros varia ao longo da duração do empréstimo e que os juros têm um peso maior nos créditos mais recentes. Terceiro, os créditos mais recentes passaram pelas novas regras de escrutínio, onde se incluem os testes de stress, que, até há pouco tempo, consistiam em simular um aumento da taxa de juro de 3 p.p., logo, teoricamente, estiveram maioritariamente dentro da margem de segurança”, explica.

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“Claro que estes testes de stress ignoram que uma subida das taxas de juro é provavelmente ocasionada por um aumento da inflação, pelo que não é só a prestação a aumentar, é toda a vida a ficar mais cara; enquanto os salários não ajustam, as pessoas vêem-se em grandes dificuldades”, salienta a economista.

Para a especialista, a política do BCE é aquela que seria “expectável” perante um aumento da taxa de inflação: “aumenta as taxas de juro para, com isso, travar o consumo e incentivar a poupança, controlando, por essa via o aumento dos preços”.

“Convém lembrarmo-nos de que a inflação – embora menos dura que o desemprego, assim a considero – também é penalizadora, porque, se os salários não a acompanharem, há uma perda do poder de compra. E essa penalização é mais dura para as pessoas mais pobres, porque são quem gasta uma maior percentagem do seu rendimento. Por outro lado, são também as pessoas mais pobres as que menos acesso têm a casa própria. Portanto, combater a inflação não é um capricho do BCE, é uma política que tem em conta questões de equidade. É bom termos isto em mente”, salienta.

Quanto ao futuro, e sendo sempre arriscado fazer previsões, a economista antevê alguma estabilização: “Em novembro, a inflação na área do euro baixou para os 2,4%, portanto já próxima do objetivo de 2%. Sobretudo, olhando para a evolução dos últimos dois anos, vemos que o pico parece ter sido atingido em outubro de 2022; acresce que as previsões da Comissão mostram abrandamento económico, pelo que eu apostaria que, a manterem-se as coisas assim, não haverá novas subidas das taxas de juro e até poderemos assistir à sua descida. Mas também digo que não se espere um regresso às taxas de juro próximas de zero ou até abaixo dele! Isso não é normal”.

  •  Arrendamento: cauções e preços a subir nas periferias

Se para a compra de casa há muitos (novos) obstáculos, no arrendamento não é diferente. Portugal enfrenta há vários anos, neste campo, muitos problemas, que parecem não ter resolução à vista – e o pacote Mais Habitação aprovado este ano pelo Governo parece estar a gerar mais desconfiança.

“Desde janeiro, tenho assistido a muitos casos de proprietários que, estando confortáveis com a situação de arrendamento de longa duração, após o anúncio de várias medidas tendentes a aumentar a coação e a rigidez deste mercado, decidiram terminar os contratos de arrendamento e vender os seus imóveis. Enquanto não forem implementadas medidas com real impacto, que abordem o problema da habitação numa ótica integrada de incentivo à construção de casas, sem descurar os restantes problemas de gestão territorial (melhoria da rede de transportes e dos serviços de proximidade do Estado), estas e outras medidas serão apenas paliativos para um problema que não é exclusivo de Portugal, mas que tem um impacto maior nos nossos jovens”, defende Ana Mação.

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Alfredo Valente adianta que, embora nas zonas periféricas os preços para arrendar um imóvel sejam mais baixos do que nos grandes centros urbanos, “a verdade é que estão a subir cada vez mais pela falta de disponibilidade de parque habitacional para em linha com a capacidade financeira dos portugueses”. “É necessária uma oferta muito superior de imóveis direcionados para a classe média nos grandes centros urbanos”, defende Alfredo Valente.

Outro entrave prende-se com o adiantamento das cauções, “principalmente com os valores agora praticados no mercado e que dificultam a muitas pessoas o acesso ao arrendamento”. “Se pensarmos que muitas das famílias recorrem a um arrendamento por não terem liquidez financeira para avançar com a compra de um imóvel, pedir caucões na ordem dos 10.000 euros, estas mesmas famílias torna-se, no mínimo, absurdo”, defende.

Para a consultora da KW, as Áreas Metropolitanas possuem o potencial para incentivar a construção de mais habitações a preços mais acessíveis, nomeadamente “através da colocação no mercado de terrenos para construção coletiva mais baratos, através da facilitação de projetos de licenciamento e acima de tudo através da criação de uma rede de transportes integrada mais eficiente”.

Atualmente, diz, o valor elevado das rendas mensais é o maior obstáculo. “O mercado de arrendamento nas grandes cidades é tão reduzido e os preços tão altos que a maioria dos novos contratos são assinados com clientes estrangeiros, que dispõem de maior poder de compra”, adianta Ana Mação.