7 de Dezembro, 2023 gcoelho

Morar em casas pequenas: o desafio de mudar de espaço (e de vida)

Divórcios, desemprego e/ou dificuldades financeiras – há várias razões para trocar de casa. Mas a crise na habitação encurta as soluções.

mudar de casa
Foto de Alex Green no Pexels

A vida é feita de mudanças – mais ou menos difíceis. E a mudança de casa, quando acontece por razões “alheias” à vontade e sonhos pessoais, pode ser um grande desafio. Há quem tenha de fazê-lo depois de um divórcio ou separação, por exemplo, uma doença, porque perdeu o emprego ou enfrenta dificuldades financeiras, agora agravadas com a subida da inflação e juros. Trocar a casa onde se vive por uma mais pequena, procurar um quarto numa casa partilhada, ou até voltar a casa dos pais é, para muitos, a única opção viável, numa altura em que os preços das casas para comprar ou arrendar continuam a subir, a par do custo de vida. Mas a crise na habitação vai além da capacidade de pagar por uma casa, porque neste processo também as emoções estão em jogo, e outras “crises” se agigantam. Afinal, como é recomeçar tudo do “zero” e procurar um novo lugar para morar? E o mercado está preparado para dar resposta a quem tem de repensar o modo como vive?

Neste artigo ouvimos histórias de quem, por uma razão ou outra (ou várias), teve que mudar-se de uma casa maior para um espaço mais pequeno; mas também os profissionais de mediação imobiliária no terreno, que lidam de perto com os desafios de quem deixa de ter condições financeiras, por exemplo, para suportar as despesas da casa onde vive. Também um psicólogo explica as consequências destes processos de transformação – muitas vezes forçados ou provocados por fatores externos –, e quais as estratégias para melhor gerir os desafios e obstáculos que lhe são inerentes. Praticar o desapego é, quase sempre, fundamental.

Voltar a casa dos pais depois dos 30

Rafaela Garcez, que ensina os outros a usar a organização como ferramenta de transformação pessoal, enquanto consultora, viveu na pele um processo destes. Teve de mudar-se do apartamento onde vivia com o ex-namorado, em Lisboa, para um quarto na casa dos pais, por questões financeiras. Conta ao idealista/news que, além de tudo o que implica a readaptação a um espaço mais pequeno e das rotinas com pessoas diferentes, “os maiores desafios foram emocionais”.

“Começando pela divisão de objetos entre mim e o meu ex-namorado, onde cada objeto que tínhamos contava parte da nossa história, como também representavam pequenas conquistas pessoais enquanto casal. E ainda dizer adeus à casa que tanto nos era especial”, explica. Como não tinha previsão de quando voltaria a poder viver sozinha numa casa, optou “por aceitar o momento presente e libertar praticamente tudo o que era útil para uma casa funcionar”.

Sentiu que a decisão mais inteligente seria “dar um passo atrás” e poupar dinheiro para no momento certo, comprar ou arrendar casa. “Tive sorte de ter os meus pais a viverem em Lisboa e com um quarto disponível. Mesmo sendo um pequeno quarto utilizado como closet pela minha mãe, conseguimos transformar num espaço confortável, funcional e até com uma área de home office”, conta.

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Rafaela Garcez, consultora de organização
Rafaela Garcez, consultora de organização

Afonso Arribança, psicólogo, lembra que, por vezes, em situações de separação, desemprego, redução de salário, entre outros, as pessoas veem-se perante dificuldades financeiras associadas ao peso de ter de suportar despesas a sós. E nestas circunstâncias, “surgem grandes desafios para a estabilidade psicológica, tais como a perda de privacidade, no caso de voltarem a morar com família ou de terem que partilhar casa com desconhecidos”. “A quebra de expectativas e consequente desmoronar de idealizações e objetivos, mudanças na rotina, podem “naturalmente desencadear um aumento do nível de ansiedade, de frustração e insatisfação pessoal”.

“Se, por um lado, existem pessoas que encaram estas situações como um desafio, como ‘dar um passo atrás para dar dois à frente’, por outro existe quem passe a olhar para si mesmo da mesma forma que olha para a situação, numa interpretação distorcida da realidade – distorcida porque o valor da situação não deve ser analisado como se fosse a mesma coisa que o valor pessoal. Esta distorção promove uma sensação de que ‘se a situação reflete um fracasso, então eu sou um(a) fracassado(a)’, o que não é verdade”, refere o especialista.

Rafaela Garcez lembra-se perfeitamente da primeira noite como adulta no quarto em casa dos pais, e de olhar para o teto e pensar “então vamos lá abraçar esta mudança”, “com uma lágrima no olho”. No entanto, e apesar de ser um processo emocional difícil para qualquer pessoa, procurou encarar a mudança como algo positivo. Sendo uma pessoa “curiosa pelo novo e direcionada para ação”, sentiu que o processo se tornou mais leve e positivo.

“Não vou mentir, há dias que sinto falta de ter a minha casa, mas sei que é apenas uma fase do meu crescimento e consigo retirar tudo de bom que me está a trazer”
Rafaela Garcez

A organizadora de casas explica que o bom de voltar a viver com os pais nos 30s, é que se nos 20s quando foi viver sozinha pela primeira vez, estava sedenta de ter o seu espaço e sentir-se “adulta”, hoje consegue “usufruir de tudo o que viver com os pais nos pode trazer”. “Permitir-me ser cuidada e ‘voltar a ser criança’ mas com outra maturidade”, refere, estando a aproveitar esta fase para poupar dinheiro e reorganizar a vida.

Afonso Arribança lembra que no caso de se voltar a morar com os pais, “há um conjunto de limites que devem ser estabelecidos”. “Comunicar as expectativas sobre o futuro, estabelecer o espaço pessoal, as regras/limites bem como tornar-se responsável pelas tarefas em casa e assumir um papel na dinâmica familiar. Para que possamos ser ouvidos, é importante retribuirmos e, nesse caso, os limites deverão ser respeitados da mesma forma que as tarefas deverão ser assumidas”, indica o psicólogo.

viver em casas pequenas
Foto de Kari Shea no Unsplash

Mudar de país e saltar entre casas (e empregos)

Nicoleta (nome fictício para proteger a privacidade) tem uma história completamente diferente, mas igualmente desafiante. É ucraniana e mudou-se para Portugal há 23 anos. Nessa altura, encontrar casa foi difícil não pelos motivos de hoje, porque na época “as casas ainda tinham preços razoáveis tendo em conta o que se ganhava”, mas porque não conhecia cá ninguém. “Foi uma aventura e quando não se conhece ninguém e se vem de um país estrangeiro com dificuldade ainda a falar o português, é um bocadinho mais complicado”, diz.

Sempre viveu em casas arrendadas até porque não sabia por quanto tempo iria ficar no país. Primeiro veio ela para Portugal e depois o seu marido. Foi aparecendo uma casa “aqui e ali”, e depois “outra que gostava mais”, e como estava a trabalhar foi conseguindo mudar-se para zonas mais centrais e perto do seu trabalho. Casas das quais gostava mais e com mais espaço, todas na zona de Sintra, mais perto do mar, onde sempre se sentiu “muito bem”. Confessa que em todos estes anos “já fez muita coisa” – começou por trabalhar como empregada doméstica, conciliando mais tarde essa atividade com a de esteticista, e em 2017 mudou-se para os EUA onde passou a trabalhar como project manager numa empresa.

Quando a pandemia começou, Nicoleta já estava de volta a Portugal e continuava a trabalhar à distância para os EUA. “Mas como todas as empresas a produção desceu muito e houve cortes e o salário ficou mais pequeno. O meu marido que estava na construção também se viu parado e tivemos de repensar a vida e a casa”, refere. E foi precisamente nessa altura que, estando numa casa maior, teve de voltar a um espaço mais pequeno. “A pandemia mudou os planos de muita gente”, frisa.

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Unsplash

“Quando mudamos para um espaço mais pequeno e queremos evitar que ele esteja sobrelotado de coisas temos sempre de abdicar. Dei muita coisa que tinha, nomeadamente coisas do dia a dia, como por exemplo o sofá por ser muito grande para a casa para onde me mudei. Mas são só coisas e sempre acreditei que quando passássemos a fase pior íamos conseguir ter outras coisas, talvez até mais ao nosso estilo. Mas o tempo em que temos de nos habituar à mudança é sempre estranho, até porque houve coisas que demoraram muito a conseguir, ou que comprei pouco depois de chegar cá, era quase como se houvesse uma ligação emocional”, explica.

Recentemente, Nicoleta conseguiu voltar a viver numa “casa muito pacata, mas com um bocadinho mais de espaço”. Já não tem o gabinete de estética em casa, mas tem “uma sala onde cabe um sofá como o que tinha, num sítio muito sossegado e que tem um pequeno pátio e tudo”. Por agora, diz, só precisa de voltar a habituar-se, “mas desta vez para uma mudança boa”.

Aumenta a procura de casas mais pequenas para viver

Guida Sousa, Diretora Coordenadora Nacional da Decisões e Soluções, conta que a mudança para casas mais pequenas é uma tendência que tem vindo a observar nos últimos meses. Um estudo recente revela que “67% dos clientes das lojas da rede Decisões e Soluções trocaram de casa para imóveis mais pequenos e, consequentemente, para valores mais baixos”, refere a responsável.

A mediadora conseguiu apurar que 40% destes clientes optaram por uma casa mais pequena devido à falta de condições financeiras e porque já não conseguiam pagar a prestação. Já 27% aponta o divórcio/separação como razão para a troca de casa.

“No entanto, temos também o caso de pais cujos filhos saem de casa e deixa de haver necessidade de tanto espaço (13% dos clientes) ou aqueles que querem aproveitar o mercado e vender em alta comprando um imóvel mais pequeno, mais barato e, como tal, com menos esforço em termos de crédito (13% dos clientes). Mudança de localidade, do país ou de cidade, é a razão apontada por 7% dos clientes”, diz Guida Sousa.

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Foto de Andres Ayrton no Pexels

João Morgado, Chief Operations Officer da Zome, confirma que, ao longo do último ano, “com o agravar das taxas de juro, tem havido um aumento de pessoas à procura de soluções mais em conta, de forma a baixar o peso da habitação no seu orçamento”. Contudo, segundo o responsável, “esta realidade acaba por ser uma encruzilhada, pois os preços de arrendamento não baixaram – bem pelo contrário -, e a nível de venda também acabámos por também não registar mexidas”. “Assim sendo, nestes casos, a procura por um espaços mais pequenos acaba por ser o único passo possível”, indica.

Embora não sinta uma maior procura por parte de pessoas que não estão a conseguir fazer face à prestação, João Morgado salienta que “sempre houve mudanças para casas mais pequenas, nomeadamente por casos de separação, ou de saída de filhos, quando os imóveis acabaram por ficar sobredimensionados”.

De acordo com ambos os responsáveis, continuam a procurar-se mais casas para comprar. “Apesar da subida da taxa de juro, continua a compensar pagar uma prestação ao banco para um imóvel próprio e a ser mais barato do que arrendar. Para além disso, existe pouca oferta no que diz respeito a imóveis para arrendamento e ainda se coloca a questão das rendas adiantadas e outras exigências que são colocadas por parte de alguns senhorios”, diz Guida Sousa.

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Foto de Filios Sazeides no Unsplash

“Continuamos a ter muito mais procura para comprar, por não haver ainda uma oferta substancial no mercado de arrendamento. Desse modo, não perspetivamos um aumento significativo de oferta nestes segmentos de mercado”, acrescenta o COO da Zome.

Existe ainda uma tendência que vai em crescendo desde a pandemia e com os novos modelos de trabalho (remoto e híbrido), para uma maior procura nas periferias das cidades ou zonas do interior, contudo, neste último caso, e apesar de haver mais casas e mais baratas, muitas delas estão a precisar de grandes obras de fundo.

Sem surpresa, e segundo a análise dos mediadores, o maior desafio do momento continua a crise na habitação, caracterizada por uma falta de oferta latente que alimenta a dificuldade em encontrar uma casa para viver.

Gerir as emoções da mudança

A mudança nem sempre é encarada de forma positiva, sobretudo, se a ela estiverem ligados motivos e/ou fatores externos difíceis e que causam desconforto. Como os casos em que alguém que não consegue comprar e/ou arrendar casa; quem não consegue sair de casa dos pais ou tem de voltar para lá porque a vida mudou ou se complicou; quem perdeu o emprego ou enfrenta dificuldades financeiras para pagar a prestação; famílias que ponderam trocar uma casa maior por uma casa mais pequena para reduzir despesas. As razões são muitas, e a crise que o país enfrenta coloca novos entraves, seja qual for o caso.

Afonso Arribança salienta que, “embora as preocupações e medos relativamente a estas situações dependam de caso para caso e até das próprias expectativas que cada um tem acerca da sua vida pessoal e profissional, numa situação de quebra de expectativas e de objetivos e no consequente aumento de frustração, existe uma tendência a que as pessoas pensem acerca delas e do futuro de uma forma mais negra, o que leva a pensamentos negativos tais como “não vou dar a volta por cima” ou “sou um fracasso””.

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Foto de Karolina Grabowska no Pexels

“Estes pensamentos dão, também, origem a receios relativamente à sua situação financeira, social e até amorosa porque, ao entrar num mindset negativo, tendemos a criar cenários igualmente negativos”, explica.

Segundo o psicólogo, para gerir as emoções dos familiares num processo de mudança para uma casa menor, é importante certificar “de que todos compreenderam as razões da mudança, incentivando a expressão emocional sempre que for necessário, estabelecendo objetivos a curto, médio e longo prazo, envolvendo o/a parceiro/a e os filhos em processos de tomada de decisão que possa fazer com que todos sintam um mínimo de controlo da situação”.

“Num processo de mudança como este que pode, efetivamente, ser sentido de forma negativa, existe também a possibilidade de se criarem novos sentidos e significados que tragam, a médio ou longo prazo, uma nova forma de a sentir, mais positiva e transformadora”, acrescenta, salientando a importância do papel que amigos e familiares podem desempenhar nestes casos.

Fonte: Idealista/news