30 de Janeiro, 2023 Lucas Lopes

Cara ou coroa: OE2023 entrou em vigor com surpresas para o imobiliário

OE2023 entrou em vigor no dia 1 de janeiro. Fiscalistas e juristas analisam os pontos fortes e fracos do documento.

Ano novo, novas regras no mercado imobiliário. No passado dia 1 de janeiro, entrou em vigor o Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), que introduz várias medidas e alterações com impacto direto no imobiliário. O idealista/news pediu a fiscalistas e juristas que olhassem para este documento e identificassem algumas das novidades que consideram ser um benefício ou uma penalização para o setor.

“Não podemos dizer que é um OE2023 amigo do mercado e dos negócios imobiliários. Num país tão dependente de investimento externo em que a atividade imobiliária tem um peso importante (e sim, para além de recuperar cidades também cria postos de trabalho), alterações que vêm penalizar ou dificultar esse mesmo investimento são sempre difíceis de aceitar. Mais uma volta ao sol, mas mais um orçamento sem brilho”, salientam os fiscalistas da PwC, Diogo Gonçalves Pires e Daniela Lopes Silva. Segundo os responsáveis, são “poucas as alterações positivas ou que possam ser vistas como dinamizadoras do mercado imobiliário”.

Raquel Galinha Roque, partner da CRS Advogados, e Natacha Branquinho, advogada associada da CRS Advogados, partilham da mesma opinião. As juristas consideram que as medidas implementadas “pecam por virem limitar e em muitos casos impedir negócios imobiliários”, salientando que, a nível de crescimento económico nacional “existem inúmeros dados que demonstram que o setor imobiliário é o que mais tem contribuído seja por construção habitacional, reabilitação, hotelaria, universidades, comércio entre outros”. “Muitos dos ‘players’ são investidores que realizam investimentos imobiliários numa ótica comercial e como tal algumas destas medidas vêm claramente desmotivar esses investidores”, referem.

Por sua vez, o advogado Ricardo Matos Fernandes, entende que “a eventual redução da dinâmica transacional do mercado imobiliário não se ficará a dever às alterações da tributação operadas pelo OE2023, tendo apenas impacto em algumas operações em que os intervenientes viram frustradas as suas expectativas de uma menor tributação pelo recurso às figuras e operações que o legislador quis evitar com as alterações introduzidas”. Na opinião do jurista, a “incapacidade de antecipação pelos operadores imobiliários deveu-se ao facto destas alterações não serem previsíveis em 2022, pois não fizeram parte da discussão da proposta inicial do Orçamento do Estado para 2023 e nem da aprovação na generalidade, tendo surgido e sido aprovadas apenas em sede de especialidade”.

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Imobiliário no OE2023: resumo dos pontos fortes e fracos

  • IMT

As alterações introduzidas em matéria de IMT, na opinião dos especialistas, são penalizadoras. Em causa estão, por exemplo, as regras mais apertadas na revenda de imóveis – apenas pode beneficiar de isenção de IMT quem comprove que nos últimos dois anos revendeu imóveis antes adquiridos para esse fim; e o travão às permutas técnicas – uma alternativa usada para pagar menos IMI na troca de imóveis e cuja alteração lhe vem retirar interesse fiscal. Ambas as medidas são vistas como uma penalização para o setor, e com impacto direto no investimento no mercado imobiliário.

O idealista/news preparou um artigo detalhado sobre as mudanças no IMT que pode ser consultado aqui.

  • IMI

Relativamente ao IMI existem medidas que penalizam prédio devolutos como, por exemplo, o agravamento para o triplo das taxas de IMI no caso de prédios devolutos há mais de um ano ou em ruínas, bem como majoração em 30% no caso de prédios degradados. “Esta medida pode levar os proprietários a investir nestes bens ou a colocá-los no mercado para que não se vejam obrigados a pagar mais IMI”, frisam as juristas da CRS.

Além disso, e nos prédios afetos a alojamento local ou a habitação localizada em zonas de pressão urbanística os municípios podem agora definir uma majoração da taxa de IMI de:

  • até 100% nos casos em que estejam afetos a alojamento local,
  • e até 25% nos casos em que, tendo por destino a habitação, esses prédios não se encontrem arrendados para habitação ou afetos a habitação própria e permanente do sujeito passivo. De notar que esta majoração pode ainda ser elevada em 50% sempre que o sujeito passivo seja uma pessoa coletiva ou outra entidade fiscalmente equiparada.

O idealista/news preparou um artigo detalhado sobre as mudanças no IMI que pode ser consultado aqui.

  • Arrendamento

Clélia Brás, Sócia e Responsável Nacional do Departamento de Imobiliário da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, ressalva a “substancial e importante alteração no que respeita aos arrendamentos”. Segundo a jurista, as novas normas vieram proceder “à alteração do artigo 1076.º do  Código Civil, sob a epígrafe “Antecipação de Rendas”, limitando o pagamento de rendas antecipadas, mediante acordo escrito, por período não superior a dois meses,  ao passo que, anteriormente, a limitação encontrava-se pelo período de três meses”. Com o OE2023, os montantes entregues a título de caução ficarão limitados ao valor correspondente a dois meses de renda.

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“Anteriormente, os senhorios, face à limitação de só poderem exigir três meses de renda adiantados, sobrecarregavam os arrendatários em montantes de caução bastante avultados e sem qualquer relacional com o valor da renda ou com a finalidade característica da caução, i.e, a garantia do cumprimento das obrigações pelo arrendatário”, explica a jurista. “Conclui-se, assim, que o legislador tentou nesta nova redação colmatar as impossibilidades que muitas pessoas podem enfrentar ao aceder ao arrendamento, limitando os valores que podem ser pedidos para garantir a execução de um contrato de arrendamento, isto no que respeita ao arrendatário”.

Clélia Brás alerta, contudo, que a medida “poderá deter um efeito contrário, nomeadamente, desincentivando os senhorios a colocar os seus imóveis no mercado de arrendamento, tendo ainda em consideração as consequentes normas do arrendamento que visam cada mais, facto que tenho alertado, uma maior e mais cerrada proteção dos arrendatários em detrimento dos senhorios”

  • Alojamento estudantil

Os fiscalistas da PwC destacam como potencial impacto positivo no setor a atribuição de um subsídio/complemento de alojamento a estudantes bolseiros do ensino superior deslocados que não tenham obtido alojamento em residência dos serviços de ação social, ficando ainda isentos de IRS e IRC os rendimentos prediais obtidos no âmbito dos programas de alojamento estudantil a custos acessíveis.

  • Reembolsos PPR

Diogo Gonçalves Pires e Daniela Lopes Silva, da PwC, indicam também a alteração efetuada à Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, mediante a qual passa a ser permitido, durante o ano de 2023, o reembolso parcial ou total do valor dos planos poupança-reforma (PPR), planos poupança-educação (PPE) e planos poupança-reforma/educação (PPR/E), “até ao limite mensal do IAS e sem penalização, quando afetos a pagamento de prestações de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente, bem como prestações do crédito à construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente”.

  • VPT

Tiago Rosa, Associate Partner da EY, Tax Services, destaca a “não atualização de determinadas normas e valores que potencialmente penalizam o setor, como é o caso, por exemplo, da não atualização do valor patrimonial tributário (VPT) inscrito no artigo 46.º, n.º 5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (fixado em 125.000), que é uma norma de 2011 e cuja atualização seria oportuna, por forma a ter a devida aplicabilidade”.

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  • Mais-valias

No código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), o fiscalista da EY sublinha ainda a uniformização do regime de tributação de mais-valias imobiliárias por residentes e não residentes em Portugal (considerando que, na anterior redação, os últimos eram discriminados, estando sujeitos a uma taxa especial de IRS de 28% sobre a totalidade da mais-valia).

  • Imposto do Selo

Outra medida destacada e potencialmente positiva prende-se com a isenção de Imposto do Selo nas operações de renegociação dos créditos habitação entre 1 de novembro de 2022 e 31 de dezembro de 2023.

  • Crédito habitação

Potencialmente positivo são também a redução das retenções na fonte para titulares de crédito habitação, isto é, um desconto no IRS para as famílias que estão a pagar empréstimos habitação, mediante a redução de um escalão na retenção na fonte; e amortização do crédito habitação sem comissões – nova lei permite reembolsar o empréstimo da casa antecipadamente sem custos extra, as vezes que se queira, até final de 2023.

Fonte: Idealista

Autores: Leonor Santos e Tânia Ferreira