Preços das casas na capital, para comprar ou arrendar, tem aumentado procura nos arredores, onde custo está também já a subir.
Melhorar a qualidade de vida está no topo das prioridades dos portugueses. E muitas vezes isso passa mesmo por mudar de casa. Estas famílias procuram casas com mais espaço e zonas exteriores, procuram mais tranquilidade no dia a dia e condições para melhorar a gestão do seu orçamento, num momento em que a inflação está em alta em Portugal e o crédito habitação está mais caro. Mas, para muitas, não se trata de uma escolha. Com os preços das casas em Lisboa a alcançarem patamares incompatíveis com os rendimentos médios, milhares de agregados estão a ser empurradas para a periferia da capital, onde procuram casas para comprar ou arrendar. Mas também aqui as casas estão a ficar mais caras e há pouca oferta para a procura que se está a gerar. O idealista/news mergulhou nos dados dos municípios da Grande Lisboa e explica como está a evoluir a dinâmica do principal mercado residencial do país.
Em termos médios, os salários dos portugueses não são compatíveis com os preços das casas para comprar ou para arrendar no centro de Lisboa, onde a renda da habitação pesa 61% dos rendimentos das famílias e prestação da casa leva uma fatia de 60%. A elevada taxa de esforço com a habitação é um dos principais motivos que tem empurrado as famílias para os municípios periféricos da capital do país. Os dados dos Census 2021 mostram que mais de 43,5 mil pessoas trocaram Lisboa pela periferia nos últimos três anos, contava recentemente o Expresso.
“A maioria das famílias portuguesas procura essencialmente melhor relação qualidade-preço: casas com áreas mais generosas a valores mais competitivos, comparativamente ao centro de Lisboa”, explica ao idealista/news Marco Moreira, franquiado das agências ERA Sintra e ERA Odivelas Norte, dando nota de que a mobilidade das pessoas para os arredores da capital tem vindo a ser facilitada pela massificação do teletrabalho.
A procura por uma maior qualidade de vida e maior contacto com a natureza também tem influenciado a decisão de comprar casa (ou arrendar) nos municípios limítrofes de Lisboa. “Com a pandemia e o isolamento a que as pessoas foram sujeitas, por vezes em apartamentos sem varanda, passaram a valorizar o espaço exterior e a qualidade de vida”, indica, por outro lado, Rui Vaz, diretor comercial da Habisale, uma imobiliária que opera na Grande Lisboa.
“A grande vantagem em residir na periferia relaciona-se com a melhor qualidade de vida fruto da maior tranquilidade que as pequenas cidades ou aldeias oferecem, sem comprometer a facilidade aos serviços essências”, reforça Marco Moreira, sublinhando que o contacto com a natureza tem um “peso significativo” na escolha de um novo local para morar, assim como a localização.
Como é viver nos municípios periféricos da Grande Lisboa?
Procura de casas na Grande Lisboa: onde é maior?
Passando a pente fino os dados do idealista/data, salta à vista que a procura de casas, quer para comprar quer para arrendar, deu um salto na maioria dos concelhos vizinhos da capital lisboeta. “Hoje, há uma procura exponencial por casas fora dos centros urbanos e a respetiva migração dos moradores que se concentravam nas grandes cidades, fator em parte justificado pela possibilidade do trabalho remoto. Também se assistiu a uma mudança nas tipologias procuradas: os clientes deram prioridade às moradias com espaços exteriores ao invés dos apartamentos”, partilha Marco Moreira com o idealista/news.
No mercado de arrendamento, a procura de casas mais do que duplicou na maioria dos concelhos da Grande Lisboa – e aumentou em todos. Arrendar casa é mais flexível e requer um menor investimento inicial do que a compra, continuando a ser, por isso, uma opção para muitas famílias. Foi no município da Amadora onde a procura mais aumentou, quadruplicando (+433%) entre o final de 2021 e o final de 2022. O aumento da procura foi também expressivo em Loures (+424%), Odivelas (+370%) e no Seixal (+350%). Mafra foi o concelho onde a procura de casas para arrendar aumentou menos entre estes dois momentos (+63%).
No mercado de compra e venda, a realidade é semelhante. A procura de apartamentos e moradias para comprar deu o salto na maioria dos concelhos que pertencem à Grande Lisboa (em concreto em 13 dos 18) – mas não de forma tão acentuada. Sesimbra foi o concelho periférico da capital onde a procura mais aumentou entre o quarto trimestre de 2022 e o período homólogo (+36%). Em segundo está Amadora (+20%) e em terceiro Oeiras (+20%).
A procura de casas nos concelhos vizinhos de Lisboa é “grande”, tal como confirma o diretor comercial da Habisale que conta com com 30 anos de experiência no mercado imobiliário. Este profissional sente uma “maior procura” em Odivelas e Cascais, municípios que, de acordo com os mesmos dados, tiveram um aumento do interesse das famílias no quarto trimestre de 16% e 11%, respetivamente. E Marco Moreira, da ERA, revela ter assistido a “um aumento da procura pelas zonas litorais de Lisboa, como é o caso de Sintra, por parte de clientes internacionais em idade da reforma”. No município de Sintra, a procura terá subido 5% segundo os dados do idealista.
Trata-se, sobretudo, de famílias de classe média alta e alta, que são “na maioria portugueses”, havendo também “alguns estrangeiros, de nacionalidade angolana, brasileira e ucraniana”. Muitas ou não precisam de pedir um crédito habitação para comprar casa ou possuem fundos próprios para pagar uma parte substancial do valor do imóvel, aponta o responsável pelas agências ERA Sintra e ERA Odivelas Norte ao idealista/news. E muitas avançam com a aquisição de casas numa ótica de investimento, isto é, comprar para, depois, colocar a habitação no mercado de arrendamento.
Apesar de comprar casa em Lisboa estar cada vez mais caro, a procura continua a subir: os dados mostram que aumentou 28% na reta final de 2022 face ao período homólogo. Este aumento pode ser explicado pelo interesse crescente de estrangeiros por viver na capital portuguesa e estão disponíveis para pagar mais pelos imóveis. Até porque um quarto das novas famílias que escolheram Lisboa para viver nos últimos três anos vêm do estrangeiro, de acordo com os Census 2021.
Compra de casa nas periferias de Lisboa continua apesar dos preços altos
Em resultado desta dinâmica, os especialistas em imobiliário concordam que a venda de casas têm-se mantido a bom ritmo ou até aumentado. “Há mais transações. As principais razões são a mudança de habitação devido à pandemia, o adiamento que houve de algumas famílias na compra e o aumento do investimento estrangeiro, já que os investidores internacionais ainda veem Portugal como um mercado acessível e seguro”, destaca Rui Vaz, admitindo, contudo, que devido à alta inflação e ao aumento dos custos nos empréstimos habitação tem sentido “mais ponderação na altura da compra”.
Também o responsável pelas agências ERA Sintra e ERA Odivelas Norte, que trabalha desde 2016 na Grande Lisboa, afirma que não há uma variação significativa no número de transações em termos homólogos. Até porque, segundo o próprio, “o setor imobiliário não tem, até agora, sido significativamente impactado pelo aumento das taxas de juro [nos créditos habitação] que já se faz sentir há uns meses”.
E que tipo de casas procuram estas famílias para construir uma nova vida nas periferias de Lisboa, onde há maior contacto com a natureza? “Em geral, são famílias com 2-3 filhos e cuja procura recai em moradias com 3 a 4 quartos e terrenos até 1.000 metros quadrados (m2), onde podem usufruir da área exterior da casa sem abrir mão de um escritório onde possam desenvolver o trabalho remoto”, detalha Marco Moreira.
Oferta de casas para comprar e arrendar cai na maioria dos municípios da Grande Lisboa
Na Grande Lisboa, “a escassez de oferta seja para compra ou arrendamento, é uma realidade nacional e que muito provavelmente não se irá resolver num curto espaço de tempo. No entanto, registamos cada vez maior interesse por parte dos investidores e promotores imobiliários em investir em obra nova nas periferias para fazer face à procura”, explica ao idealista/news Marco Moreira, franquiado das agências ERA Sintra e ERA Odivelas Norte.
Os dados do idealista/data mostram essa realidade: a oferta de casas para comprar caiu em 16 dos 18 municípios que fazem parte da Área Metropolitana de Lisboa. E foi precisamente na capital portuguesa onde a média móvel do stock de casas à venda mais desceu (-32%). Segue-se Amadora (-31%), Seixal (-27%) e Cascais (-27%). Os únicos concelhos onde se registou um aumento da oferta de casas para comprar entre o último trimestre de 2021 e o mesmo período de 2022 foram Mafra (+3%) e Alcochete (+1%).
A oferta de casas não se tem adaptado à procura e é “por isso que existe uma escassez de oferta tanto para compra, como para arrendamento”, sublinha Rui Vaz, da Habisale. E é sobretudo nas casas para arrendar onde há mais falta de casas nas periferias da Grande Lisboa: “O mercado de arrendamento está a atravessar um momento de maior pressão devido à escassez de oferta”, destaca Marco Moreira.
É isso mesmo que confirmam os dados: a descida da oferta no mercado de arrendamento é muito mais acentuada do que a observada no mercado de compra de venda. Em Loures, há menos 58% de casas para arrendar no final de 2022 do que no mesmo período de 2021. A queda da oferta de habitações para arrendar é também expressiva em Lisboa (-55%), Cascais (-53%), Odivelas (-53%), Amadora (-52%) e em Oeiras (-41%).
“No mercado de arrendamento ainda é muito maior a escassez de oferta, simplesmente não há imóveis por valores razoáveis. O mercado de arrendamento não vai ser opção em momento de aflição. Muitos imóveis que estavam para arrendar, foram vendidos devido à sua valorização”, comenta o responsável pela Habitatsale, Rui Vaz.
Mas esta situação poderá estar a dar sinais de mudança. De acordo com Marco Moreira, tem-se vindo a ”assistir a um crescente interesse dos investidores em boas oportunidades para disponibilizar imóveis no mercado do arrendamento, em consequência dos fatores externos como a guerra na Ucrânia, o aumento da inflação e das taxas Euribor”. É por isso mesmo que o especialista acredita que “, em breve, o mercado estará normalizado com a entrada de novos imóveis com esta finalidade”, tendo em conta os novos empreendimentos anunciados, os projetos imobiliários licenciados e as intenções de investimento.
Apesar da queda na oferta de habitações para arrendar seja expressiva, houve quatro municípios onde aumentou, em termos homólogos, no último trimestre de 2022:
- Sesimbra (+52%);
- Palmela (+22%);
- Mafra (12%);
- Montijo (+10%).
Subida dos preços das casas em Lisboa e nas periferias tem sido “abismal”
Questionado sobre como avalia o aumento dos preços das casas para comprar e arrendar em Lisboa e nos seus municípios limítrofes, Rui Vaz não tem dúvidas: a subida tem sido “abismal”. Por detrás deste aumento está, sobretudo, a escassa oferta de casas, quer para comprar quer para arrendar, perante o aumento da procura. A subida os custos de construção – que ganharam novo fôlego primeiro com pandemia e, depois, com a guerra na Ucrânia – também contribuíram para encarecer ainda mais as casas. E a alta procura de casas por estrangeiros em Lisboa é outro fator a considerar.
É precisamente por os preços das casas à venda em Lisboa não estarem ajustados aos rendimentos das famílias da classe média, que tem havido uma maior procura de habitação nos municípios vizinhos. “O facto de o preço por metro quadrado em Lisboa estar bastante alto, traduz-se numa maior procura por casas na periferia, especialmente por parte das famílias portuguesas”, explica Marco Moreira, da ERA. E, consequentemente, este movimento traduz-se “num aumento dos preços em algumas dessas zonas”, conclui o responsável.
Este efeito de contágio dos preços das casas nas periferias de Lisboa é bem visível nos dados recolhidos pelo idealista/data. No Barreiro, os preços das casas à venda subiram 25% entre o quarto trimestre de 2021 e o mesmo período de 2022, altura em que se fixaram em 1.899 euros por metro quadrado (euros/m2) em termos medianos. Em Oeiras, as casas ficaram 21% mais caras neste período. E na Moita os preços subiram 20%.
Todos os municípios que fazem parte da Grande Lisboa viram os preços das habitações para comprar subir no último ano – a maioria 10% ou mais. A menor subida foi mesmo registada em Lisboa (3%), onde os preços das casas são mais altos, fixando-se em 5.141 euros/m2 no final de 2022. Comprar casa na capital custava, em termos medianos, 500 mil euros.
Muitas famílias portuguesas veem-se, hoje, “forçadas” a sair de Lisboa, “porque o preço das casas se tornou insustentável”, resume Tiago Mota Saraiva, arquiteto e urbanista, citado pelo Expresso. O diretor comercial da Habisale confirmou ao idealista/news este mesmo movimento: “Existe neste momento a gentrificação de algumas zonas onde só alguns têm possibilidade de comprar casa, prejudicando muitos pelo desalojamento de ex-residentes que não podem pagar o aumento dos imóveis ou das rendas. Nos municípios limítrofes o efeito de contágio é certo, o que há alguns anos era a solução para clientes com menor poder compra, hoje já começa a não ser”, conclui Rui Vaz.
E as famílias da classe média e os jovens são os mais afetados. “Está a haver uma expulsão da classe média e média baixa para a periferia, em particular dos jovens. Quando chegam à altura de se autonomizarem e constituírem família, não conseguem aceder a habitação dentro da cidade”, disse ao mesmo jornal Jorge Macaísta Malheiros, geógrafo e investigador no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa. “Os jovens também não têm a sua independência, pois não conseguem acompanham o valor dos imóveis tanto na compra, como no arrendamento”, acrescenta ainda Rui Vaz.
Arrendamento nos municípios da Grande Lisboa é opção?
Dada a subida dos preços das casas e a menor oferta, “o mercado de arrendamento está agora sob maior pressão”, conclui Marco Moreira. A procura está a escalar nos concelhos vizinhos de Lisboa. E as rendas das casas também, tal como mostram os dados do idealista/data.
- Entre o último trimestre de 2021 e o mesmo período de 2022, só houve dois municípios da Grande Lisboa onde as rendas desceram: Palmela (-7%) e Moita (-4%).
- Em Sesimbra foi onde as rendas das casas mais subiram entre 2021 e 2022 (+40%). Agora arrendar casa neste município limítrofe da capital custa 12,4 euros/m2, em termos medianos. O preço mediano para uma habitação típica está nos 850 euros/mês. Este foi o único concelho da metrópole onde as rendas subiram mais que em Lisboa (+37%) neste período. Entre as maiores subidas das rendas das casas encontra-se ainda Cascais (31%) e Almada (+24%).
- Sem surpresa, é em Lisboa onde arrendar casa é mais caro (18,2 euros/m2). E mesmo nos concelhos periféricos há rendas das casas medianas bem elevadas, como é o caso de Cascais (17,9 euros/m2) e Oeiras (13,7 euros/m2).
- Na hora de escolher um município periférico para viver importa saber que é no concelho da Moita onde as rendas são mais baratas (7,5 euros/m2), seguida de Palmela (7,7 euros/m2) e o Montijo (8,3 euros/m2).
Quais os desafios para o futuro residencial da Grande Lisboa?
Questionados sobre os desafios que os mercados residenciais das grandes metrópoles portuguesas vão enfrentar no futuro, os especialistas ouvidos pelo idealista/news admitem, desde logo, que o atual contexto económico vai influenciar – e muito – os anos vindouros. “Os grandes desafios sem dúvida vão ser a inflação, a subida da taxa de juro sem previsão de fim à vista e a adaptação das famílias a esta realidade”, resume Rui Vaz, da Habisale.
“O futuro do mercado imobiliário da Grande Lisboa apresenta os desafios que são transversais à maioria das atividades económicas, consequência do contexto de imprevisibilidade que estamos a viver”, concorda Marco Moreira, da ERA, apontado a escassez de oferta de casas, especialmente para a classe média, é um dos principais desafios para o futuro.
Hoje, “existe uma grande vontade em mudar de casa, em ter melhor qualidade de vida, e cabe aos diversos players do mercado arranjar alternativas para que isso seja possível. A oferta tem de aumentar, só assim é que iremos conseguir ter preços mais justos”, destaca ainda Rui Vaz.