Nova subida dos juros em 50 pontos não chega para travar a inflação na Zona Euro, apontam economistas ouvidos pelo idealista/news.
Confirma-se: o Banco Central Europeu (BCE) voltou a subir as taxas de juros diretoras esta quinta-feira, dia 15 de dezembro, pela quarta vez nos últimos cinco meses. A autoridade monetária e financeira da Europa cumpriu as previsões de mercado e elevou o preço do dinheiro na Zona do Euro em 50 pontos base, atingindo os 2,5%. Apesar de as taxas estarem no nível mais alto desde dezembro de 2008, o Conselho do BCE admitiu que vai continuar a subir os juros diretores “de forma significativa”, porque a inflação continua “demasiado alta”. Mas quais vão ser as consequências para a economia? E para os créditos habitação de taxa variável? O idealista/news falou com vários economistas e explica tudo.
Os especialistas ouvidos pelo idealista/news não têm dúvidas que em 2023 será necessário voltar a subir as taxas de juro diretoras para travar a inflação, que, apesar de ter abrandado ligeiramente em novembro, ainda regista uma taxa de dois dígitos na Zona Euro (10% em novembro). A inflação no espaço europeu continua, portanto, num nível cinco vezes superior ao objetivo do BCE, de 2%.
E será nos próximos meses que as famílias e as empresas europeias vão sentir mais os efeitos destas medidas monetárias, avisam os economistas. Até porque ainda há um longo caminho a percorrer até que a inflação atinja os 2% – os especialistas acreditam que a subida de preços só atingirá o nível pretendido pelo guardião do euro daqui a dois anos.
Subida dos juros em 50 pontos é insuficiente para baixar a inflação
Uma das primeiras mensagens partilhadas pelos economistas auscultados pelo idealista/news é que a última subida dos juros diretores de 50 pontos base – depois de o BCE decidir avançar com aumentos “jumbo”, de 75 pontos, em setembro e outubro – é insuficiente para conter a inflação, que ainda está nos 10% na área euro, muito embora tenha descido em novembro face a outubro na ordem dos 0,6 pontos percentuais (p.p.).
Conforme explica Miguel Córdoba, professor de economia financeira na Universidade CEU-San Pablo, o novo aumento das taxas de juro diretoras de 50 pontos “não é suficiente. A inflação continua muito alta, especialmente na zona do euro”, destaca ainda o economista. De notar que em Portugal a inflação fixou-se em 9,9% em novembro (menos 0,2 p.p que em outubro), uma das taxas mais elevadas nos últimos 30 anos. Além disso, o economista lembra que atualmente “existe uma diferença de 100 pontos base entre as taxas de juros da Zona Euro e as dos EUA, o que enfraquece o euro como moeda”.
A sua opinião coincide com a de Manuel Romera, diretor do setor financeiro da IE Business School, que afirma que “a inflação não parece estar a baixar e, por isso, uma subida de 50 pontos base não será suficiente”.
Na mesma linha, Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal, destaca que “é muito perigoso supor que a inflação já esteja sob controlo e que as taxas de juro permaneçam estáveis em 2023. Historicamente, a inflação leva vários anos para ser controlada, por isso podemos viver em 2023 com taxas superiores às atuais. A inflação, por definição, deveria estar abaixo das taxas de juros, e ainda está bem acima delas”, sublinha Miguel Cabrita.
BCE deverá voltar a subir juros diretores em 2023, avisam economistas
O que os economistas também dão como certo é que o guardião do euro será forçado a continuar a aumentar as taxas de juro diretoras para controlar a escalada de preços no espaço europeu. “Aumentar as taxas de juros visa precisamente combater a inflação, que na Europa está fora de controlo”, começa por explicar Julián Salcedo, presidente do Fórum de Economistas Imobiliários. E, por isso, o BCE deverá continuar a subir os juros “até dobrar a curva da inflação e redirecioná-la para a meta de 2%, da qual ainda estamos muito distantes”, frisa Julián Salcedo.
O Conselho do BCE acabou por confirmar isso mesmo no comunicado esta quinta-feira publicado : “As taxas de juro ainda terão de aumentar de forma significativa a um ritmo constante, no sentido de serem atingidos níveis que sejam suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao objetivo de 2% a médio prazo”.
As decisões de política monetária do regulador europeu têm seguido as passadas de outros bancos centrais do mundo. “O BCE mostrou que está sempre atrás da Reserva Federal dos EUA, mas também do Banco da Inglaterra e de outros bancos centrais. Não é uma boa notícia, porque não envia uma mensagem forte aos mercados. Não se pode navegar entre duas águas: ou se combate a inflação de forma decisiva para controlá-la no menor tempo possível, ou a inflação começa a contagiar todo o sistema económico e será mais difícil e demorará muito mais tempo a ser controlada”, argumenta Julián Salcedo.
Atualmente, países como os EUA, o Reino Unido, o Canadá e a Austrália têm taxas de referência mais elevadas do que a Zona Euro. Na primeira potência mundial, o preço do dinheiro está entre os 4,25% e 4,50%, depois de o Fed ter subido a taxa de juro em 50 pontos base esta quarta-feira. No Canadá as taxas estão em 4,25%. E no Reino Unido, em 3,5%, depois de o Banco de Inglaterra ter subido as taxas de juro em 0,50 pontos percentuais esta quinta-feira.
“A única forma de combater a inflação é aumentando os juros e restringindo a procura”, insiste Miguel Córdoba, frisando, contudo, que o BCE tem “muito medo de entrar em recessão”. De qualquer forma, o economista considera que “é melhor entrar em recessão do que em estagflação. Isto porque teríamos de aumentar mais as taxas por alguns meses até que ficasse claro que a espiral inflacionária havia diminuído”.
A verdade é que o BCE admite que “a atividade económica na área do euro poderá registar uma contração no presente trimestre e no próximo, devido à crise energética, à elevada incerteza, ao enfraquecimento da atividade económica mundial e às condições de financiamento mais restritivas”, lê-se no comunicado publicado esta quinta-feira. Segundo as projeções mais recentes dos especialistas do Eurosistema, a economia europeia deverá crescer só 0,5% em 2023, pelo que, se houvesse uma recessão económica esta “seria relativamente curta e pouco profunda”.
Quanto é que o BCE poderá subir os juros em 2023?
O que também dizem os economistas ouvidos pelo idealista/news é há uma dificuldade de fazer previsões num momento em que a incerteza paira no ar. Embora seja certo que o regulador liderado por Christine Lagarde irá subir novamente as taxas de juro diretoras no próximo ano, os especialistas admitem que o ritmo dos novos aumentos dos juros dependerá da evolução da inflação no espaço europeu.
“Tudo vai depender da inflação. E saber como a subida de preços se vai comportar é difícil, já que há um problema de abastecimento de energia. A Agência Internacional de Energia (AIE) disse recentemente que 2023 vai ser um ano difícil no mercado de gás, pois haverá mais procura e menos oferta na Europa, já que a China e sua recuperação vão exigir mais gás. Ou seja, acho que os mercados estão muito otimistas em relação à inflação e em algum momento o medo e a inflação podem voltar”, explica Miguel Córdoba.
Há quem se atreva a fazer estimativas: o Deutsche Bank consultou 900 analistas de fundos de investimento internacionais e concluiu que as taxas de juro na Zona Euro poderão subir até aos 3,5% no próximo ano. Nos EUA, os juros deverão chegar aos 5,3% em 2023.
As previsões do banco alemão vão ao encontro das estimativas de Miguel Córdoba. O professor de economia financeira do CEU-Universidade San Pablo acredita que, em 2023, poderemos ter taxas médias entre 3% e 5%, “o que não é mau para a economia”, defende. E explica que “se a guerra da Ucrânia terminar e a inflação aumentar de forma mais moderada, as taxas de juros até podem vir a ser ligeiramente reduzidas. Mas, note-se, que a inflação também não deverá abaixar além dos 2%, já que esta é a meta estratégica do BCE”, recorda.
Subida dos juros pelo BCE poderá ser mais moderada…
O BCE alertou que irá aumentar as taxas de juro diretoras de forma “significativa” até a inflação descer à meta dos 2%.. Christine Lagarde adiantou, a este propósito, que as taxas de juro devem continuar a subir “a um ritmo de 50 pontos base durante algum tempo”.
Em relação ao ritmo de aumentos das taxas de juro pelo BCE, os economistas acreditam que as subidas podem vir a ser mais moderadas com o passar dos meses, desde que não haja surpresas com preços de energia ou aumentos salariais.
“Não esperamos fortes subidas de juros no ano que vem”, diz Maria Jesús Fernández, economista sénior da Fundación de las Cajas de Ahorros (Funcas). O cenário mais provável, na sua visão, é de dois ou três aumentos de 25 pontos base, um movimento que colocaria o preço do dinheiro em 3%-3,25% nos primeiros meses de 2023.
No entanto, Maria Jesús Fernández destaca que “esta previsão é baseada nas expectativas atuais, desde que o preço do gás não suba muito acima do nível atual ao longo do próximo ano (em média, pode haver momentos em que aconteça) e que o preço do petróleo também não supere o nível de 90-100 dólares por barril. E também assumindo que não há uma forte recuperação dos salários, um indicador que o BCE vai acompanhar bem de perto”.
O futuro da subida dos juros e da inflação “vai depender do sucesso ou fracasso da política atual e de quanto tempo durar a guerra na Ucrânia”, conclui Miguel Córdoba
O gerente da Federated Hermes também acredita que o BCE vai adotar um tom mais cauteloso do que o Fed nas próximas reuniões de política monetária, “dado os desafios de crescimento mais acentuados e iminentes que a sua economia enfrenta”. Mas o especialista alerta que “não haverá abrandamento enquanto a inflação estiver acima da meta”.
Portanto, se a inflação voltar a subir de forma agressiva, “poderemos voltar a ter subidas dos juros diretoras de até 75 pontos base”, como as realizadas pelo BCE nas reuniões de setembro e outubro, alerta Daniel Lacalle, economista chefe na empresa de investimentos Tressis. O mercado também não descarta aumentos de até 100 pontos-base se os eventos forem piores do que o esperado, embora este não seja o cenário mais provável neste momento.
O impacto dos aumentos das taxas de juro diretoras só chegará em 2023
Os economistas também fazem outro alerta: o efeito dos aumentos das taxas de juro diretoras decididas até então (e as subidas que vão ser aplicadas no futuro) só será realmente sentido nas economias europeias a partir da primavera de 2023.
“O impacto dos aumentos [dos juros diretores] ocorridos até agora ainda não se fizeram sentir na economia, porque ainda são poucas as empresas e famílias que o sentiram. Mas a partir da primavera do próximo ano, os seus efeitos serão mais visíveis, porque mais famílias e empresas serão afetadas”, afirma a economista sénior do Funcas.
Nesse sentido, Maria Jesús Fernández lembra que “as famílias com empréstimo de taxa variável que virem a sua prestação da casa atualizada por volta da primavera – que é quando acreditamos que a Euribor atingirá o seu máximo e ultrapassará os 3% – vão sofrer uma subida entre os 3.000 e os 3.200 euro por ano de prestação da casa por cada 100.000 euros de hipoteca (ou seja, entre 250 ou 260 euros a mais por mês de juros por cada 100.000 euros do empréstimo da casa)”.
Miguel Córdoba também acredita que a primeira metade do ano vai ser difícil para as famílias. E lembra que o carrinho de compras continuará a ficar mais caro nos próximos meses, continuando a pressionar as carteiras das famílias. “Não temos uma bola de cristal, mas tudo indica que entraremos em recessão técnica no primeiro semestre de 2023, já que a procura começou a abrandar. Por isso mesmo, é lógico que não chegaremos a fortes subidas da inflação”, conclui.
Neste contexto, as famílias vão enfrentar uma redução da sua capacidade financeira e do poder de compra, enquanto as empresas também terão mais dificuldades a aceder a financiamento bancário em 2023, segundo o presidente do Fórum dos Economistas Imobiliários.
“Para os particulares que estão a pagar empréstimos habitação, os aumentos dos juros e das prestações da casa vão pesar mais nos orçamentos familiares e, por isso, poderá aumentar o risco de incumprimento bancário”, frisa Julián Salcedo.
“As empresas, sobretudo as menos solventes e mais endividadas, vão sofrer um aumento dos custos de financiamento e vão ver encerrado o acesso ao financiamento externo para novos projetos. Além disso, vão ver a renovação dos seus empréstimos tornar-se significativamente mais cara. Para os particulares que estão a pagar empréstimos habitação, os aumentos dos juros e das prestações da casa, vai pesar mais nos orçamentos familiares e, por isso, poderá aumentar o risco de incumprimento bancário“, enfatiza Julián Salcedo.
De facto, o BCE pediu aos bancos e aos supervisores que tenham “prudência extrema” diante de um possível aumento do nível de incumprimento, depois de observar que a alta incerteza e os riscos negativos associados ao atual ambiente macrofinanceiro e geopolítico estão a afetar significativamente as perspetivas para o setor financeiro da Zona Euro.
Com este cenário em cima da mesa, há várias famílias que têm optado por mudar de taxa variável para a taxa fixa, com o objetivo de ter mais estabilidade financeira, já que a prestação da casa não mexe do início ao fim do contrato. É isso mesmo que confirma Miguel Cabrita: “Hoje, muitos dos nossos clientes estão a alterar o tipo de taxa de variável para mista ou fixa, de forma a limitar o impacto da forte subida. Nos últimos meses, o idealista/créditohabitação registou um crescimento acentuado da procura de transferência do crédito habitação, sendo que esta tendência se manterá seguramente durante a primeira metade do ano”, partilha.
Há casos em que os especialistas recomendam mesmo as famílias com crédito habitação de taxa variável – que representam a grande maioria os contratos em Portugal – a considerarem a mudança para um empréstimo com taxa de juro fixa ou mista. “Quem ainda tem hipoteca a taxa variável deve pensar seriamente em mudar para hipoteca fixa ou mista, que protege de possíveis aumentos adicionais dos juros nos próximos meses, que podem mesmo durar vários anos”, recomenda Miguel Cabrita.
De momento, não se preveem fortes subidas da Euribor nos próximos meses, uma vez que as taxas de referência da generalidade dos créditos habitação já deverá ter descontado as novas subidas do preço do dinheiro e encontra-se no seu valor mais elevado desde dezembro de 2008.
“O verdadeiro impacto do incremento de 50 pontos básicos notaremos no comportamento da Euribor, que reflete a expetativa a 12 meses e que está próxima de 2,80% há várias semanas. Teremos que ver se esta subida da taxa de juro impulsiona a Euribor e esta volta a subir e que situe acima dos 3%, ou ao contrário se apenas subirá quando o BCE também supere os 3%”, explica Miguel Cabrita.
No geral, o mercado acredita que as taxas Euribor poderão atingir os 3% ou até os 4%, em média, em 2023 (a média mensal provisória para dezembro está atualmente em 2,85%). Até ao final de 2023, a Euribor deverá estabilizar-se em torno de 3%, estimam os economistas.
Quando é que a inflação voltará à meta de 2% do BCE?
A inflação continuará a ser o cavalo de batalha da economia no próximo ano, especialmente porque se espera que permaneça acima da meta de 2% do BCE até, pelo menos, 2024, já que parte da subida de preços se tornou estrutural.
Mas quando é que a inflação voltará a 2%? “É difícil prever porque estará muito condicionada pelos altos e baixos do mercado e pelas tensões nos mercados energéticos. Mas ao longo de 2023 é pouco provável que regresse aos 2%. Esperamos que a inflação tenha um movimento claramente descendente desde o início do ano, o que justificaria que o BCE subisse os juros para o teto máximo na primavera”, argumenta a economista sénior do Funcas.
Na mesma linha, Daniel Lacalle lembra que “a história diz-nos que quando a inflação chega a 5% nos países desenvolvidos, demora quase uma década para cair para 2%. Provavelmente, não veremos a inflação chegar ao patamar dos 2% até o quarto trimestre de 2024, com base em estimativas consensuais”.
Na mesma linha, o diretor do setor financeiro da IE Business School insiste que “é preciso pensar que parte da inflação vem de uma procura necessária e de uma oferta limitada, ou seja, estamos a consumir energia e bens de primeira necessidade, como alimentos, mas há um problema estrutural de abastecimento destes produtos. Isso não é recuperado em meses, mas em anos”. Portanto, acrescenta Manuel Romera, “o objetivo para que se controle a inflação sem sufocar completamente o crescimento económico e sem prejudicar muito o emprego está certamente em 2024”.
De acordo com as estimativas do Eurosistema, a inflação na Zona Euro só deva começar a descer em 2024, para os 3,4%. Em 2025, já deverá estar perto do seu objetivo, alcançando os 2,3%, revelou esta quinta-feira o BCE.