É necessário dar atenção à situação das famílias mais vulneráveis que têm um crédito à habitação e registam uma diminuição do seu rendimento disponível, pela inflação e pela subida das taxas de juro.
Como já era previsível, o Banco Central Europeu acaba de anunciar uma subida de 0,75% nas taxas de juro, colocando a referência perto dos 2%. Um aumento que o mercado já estava a contabilizar, com as taxas Euribor a 6 e 12 meses a serem já transacionados a 2,106% e 2,725%, respetivamente. Estas taxas são as mais utilizadas nos créditos à habitação e estão a registar níveis de crescimento bastante rápidos, antecipando as subidas das taxas de juro, por parte do BCE.
Esta resolução vem demonstrar a clara determinação do Banco Central de travar o aumento dos preços e fazer da política monetária de combate à inflação a sua principal prioridade, assumindo os efeitos colaterais dessa decisão.
O impacto da subida das taxas de juro na taxa de esforço dos portugueses na aquisição de habitação está a ser monitorizado, detalhadamente, por parte da Century 21 Portugal, que acaba de concluir a segunda edição do seu “Estudo da Acessibilidade da Habitação em Portugal”, que mede a evolução da taxa de esforço das famílias com a habitação, desde 2018 até este momento, incluindo a projeção do impacto de possíveis taxas de juro até 3% e 5%.
Por exemplo, em Lisboa e em 2019, o rendimento médio das famílias situava-se nos 1 846 euros mensais e o valor médio de uma casa de 90 m2 fixava-se nos 305 429 euros. Para a aquisição da habitação com recurso ao crédito à habitação (259.614€ financiamento + 45.815€ capitais próprios) o valor da prestação ao banco era de 883 euros e correspondia a uma taxa de esforço de 48%. Já em 2022, a mesma habitação apresenta agora um valor médio de 375 480 euros (319.158 € financiamento + 56.322€ capitais próprios), mais 23% do que em 2019, e a prestação atual dispara 49,7% para os 1322 euros mensais, numa taxa de esforço de 67%.
Com a subida de mais 1% da taxa de juro de referência, a taxa juro contratada fixa-se nos 3,86% para o crédito à habitação e a prestação mensal sobe 12,9% para os 1 493 euros. Se o BCE anunciar o aumento de 3%, a taxa de juro contratada atinge 5,86% e a prestação mensal do crédito à habitação chega aos 1 876 euros, mais 554 euros do que o valor da mensalidade de Setembro.
Impacto da subida dos juros na procura de habitação
As famílias e jovens que estão a iniciar agora o processo de compra da sua primeira casa encontram um cenário de taxas Euribor entre 2% e 3%, algo que é perfeitamente normal: são taxas de juro baixas.
Contudo, com base nos critérios atuais de financiamento – que incluem a redução das maturidades médias dos créditos à habitação para os 30 e 35 anos de empréstimo, com taxas de esforço entre 35% e 40% e com LTV máximos de 85% a 90% – as famílias e jovens serão forçados a reequacionar o tipo de casa que procuram e orientar as suas preferências para soluções de habitação dentro dos valores que podem assumir.
Neste sentido, será normal que no último trimestre deste ano e em 2023 se venha a assistir a um arrefecimento do número de transações imobiliárias. É igualmente expectável que os preços dos imóveis iniciem uma fase de estabilização.
Medidas especiais para famílias mais vulneráveis
Atualmente, as famílias e as instituições financeiras estão hoje muito mais preparadas e muito menos expostas a um risco de incumprimento, à escala do que se verificou no período 2008-2011, tendo em contas as medidas prudenciais nos critérios de concessão de crédito impostas pelo BCE e pelo Banco de Portugal, bem como os baixíssimos níveis de concessão de crédito habitação registados até ao final do primeiro semestre 2018.
Contudo, é necessário dar atenção à situação das famílias mais vulneráveis que têm um crédito à habitação e estão a registar uma diminuição do seu rendimento disponível, pelo forte aumento da inflação e pela subida das taxas de juro, dado que, em Portugal, as famílias contratam, maioritariamente, crédito à habitação com taxas variáveis.
Neste cenário, acredito na sensibilidade do Estado relativamente ao desafio destes portugueses e apelo ao Governo e à banca para que, de forma coordenada – e à semelhança do que se verificou durante a pandemia – sejam criados mecanismos de proteção para as famílias em situação mais frágil, que estejam com taxas de esforço superiores a 50%, neste período de inflação elevada.
Ricardo Sousa |CEO da CENTURY 21 Portugal
Fonte: Observador