17 de Novembro, 2022 Lucas Lopes

Recessão na Europa à espreita – e subida de juros do BCE também

Regulador europeu admite que os riscos para a estabilidade financeira estão a aumentar. Mas vai continuar a subir juros diretores.
A subida generalizada dos preços no espaço europeu descontrolou-se ao longo de 2022, de tal forma que, em julho, o Banco Central Europeu (BCE) arregaçou as mangas e começou a subir as taxas de juro diretoras para travar a inflação. Mas este cenário já se está a refletir no abrandamento do crescimento económico de vários países europeus. Agora, o regulador europeu admite que os riscos para a estabilidade financeira estão a aumentar, estando à espreita uma recessão técnica na Europa. Ainda assim, e para tentar travar a inflação, o BCE deverá continuar a subir os juros diretores – embora de forma mais lenta.

“Os riscos para a estabilidade financeira na Zona Euro aumentaram devido ao aumento dos preços da energia, da inflação elevada e do baixo crescimento económico”, explicou o BCE no relatório semestral sobre estabilidade financeira, apresentado, esta quarta-feira.

Segundo o regulador liderado pro Christine Lagarde, só a subida dos custos de energia aumentou a probabilidade de uma recessão para 80%. E o salto nas taxas de juro diretoras – destinado a travar a alta inflação, que chegou aos 10,7% em outubro na área do euro – está a alimentar a volatilidade do mercado e a aumentar os custos do financiamento bancário.

“A nossa análise é que os riscos para a estabilidade financeira aumentaram, enquanto uma recessão técnica na Zona Euro é mais provável”, alertou Luis de Guindos, vice-presidente do BCE, na ocasião. Uma recessão técnica significa que haverá contração económica no espaço europeu durante dois trimestres consecutivos.

Subida de juros pelo BCE
Flickr | Wikimedia Commons

Haverá mais subida de juros, apesar do risco de recessão?

A viragem da política monetária na Europa teve início em julho deste ano, quando o BCE subiu as taxas de juro diretoras pela primeira vez em 11 anos, em 25 pontos base. Dois meses depois, voltou a fazê-lo em 75 pontos. Mas, mesmo assim, a inflação na Zona Euro atingiu os 10,7% em outubro.

Reforçando a sua estratégia para travar a subida generalizada dos preços, o regulador europeu voltou a subir os juros diretores em 75 pontos base no final de outubro, apesar de admitir que há o risco de a Europa entrar em recessão.

“Subimos as três taxas de juro do BCE em 75 pontos base e esperamos continuar a subir ainda mais para assegurar o regresso atempado da inflação à meta de médio prazo [os 2%]. Com a terceira grande subida consecutiva, fizemos grandes progressos na retirada da política monetária acomodatícia”, disse Christine Lagarde, no final do mês passado, reforçando que o regulador europeu não está desatento ao risco de recessão.

Agora, são esperados novos dados macroeconómicos para tomar a decisão sobre novos aumentos dos juros diretores. “Provavelmente continuaremos a aumentar as taxas, mas podemos fazê-lo de maneira mais flexível e possivelmente menos rápida”, admitiu François Villeroy, membro do Conselho de Administração do BCE e presidente do banco central francês. Isto porque, acredita, que o regulador está a aproximar-se da “faixa de normalização”, que pode ser estimada em torno de 2%.

Travar a alta inflação é o objetivo do BCE e dos bancos centrais do mundo – muitos, como é o caso Islândia, Canadá e os EUA já aumentaram os juros em mais de 300 pontos. Mas, agora, há indicadores de que a inflação global possa já ter atingido o seu pico máximo.

Javier Bras, colunista na Bloomberg e coautor do livro “The World for Sale: Money, Power and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”, afirma que os preços dos alimentos – que muito têm contribuído para a subida da inflação – já estão a cair, embora continuem altos. “Para os bancos centrais que lutam contra os maiores aumentos de preços em 40 anos, a queda nos preços dos alimentos deve dar algum espaço para respirar e desacelerar os aumentos das taxas de juros”, afirma o especialista.

Incumprimento bancário na Europa
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Bancos europeus lidam com risco de incumprimento

Em geral, o setor bancário do bloco europeu é considerado resiliente, dada a construção de uma estrutura sólida ao longo dos anos – sobretudo depois da crise financeira global. Agora, a subida das taxas de juro diretoras pelo BCE tem um efeito direto nos bancos europeus: se por um lado, esta subida dos juros aumenta as suas margens de lucro, por outro agrava as prestações de crédito dos mutuários, colocando as famílias mais vulneráveis em risco de incumprimento.

“Embora o setor bancário tenha visto recentemente uma recuperação na lucratividade com o aumento das taxas de juros, há sinais de deterioração da qualidade dos ativos”, alertou o BCE.

Isto quer dizer que os bancos europeus vão enfrentar desafios no longo prazo, nomeadamente no que diz respeito ao pagamento de créditos por parte das empresas e famílias mais vulneráveis ou mais endividadas. Em resultado, é esperado um aumento dos incumprimentos bancários nas economias mais frágeis.

“Se as perspetivas [económicas] se deteriorarem ainda mais, não se pode excluir um aumento da frequência de incumprimentos por parte das empresas, especialmente no caso de empresas com utilização intensiva de energia”, prevê o BCE. Além disso, há que ter em conta que os lucros das empresas irão diminuir à medida que os custos do financiamento aumentam, bem como os preços dos materiais e da energia.

Portanto, as famílias, as empresas e os governos que têm dívidas mais elevadas são os que enfrentam mais problemas face à subida das taxas de juro, mas também os mercados financeiros, em particular alguns fundos de investimento.

Fonte: Idealista