1 de Junho, 2022 Lucas Lopes

Comprar casas mais baratas: tudo sobre cooperativas de habitação

Imóveis abaixo do custo de mercado, financiamento alternativo e controlo da construção, entre vantagens. Explicamos regime legal.

Com a alta de preços das casas, subida das taxas de juro e encarecimento do custo de vida, por causa da inflação, como pano de fundo, as cooperativas de construção e habitação saltaram para a ordem do dia. E como meios de acesso à habitação de custos controlados (HCC), as cooperativas de habitação em Portugal são consideradas estratégicas para o atual Governo (e para as autarquias locais em particular) como forma de resolver o problema da falta de habitação que se vive no país, sobretudo de casas a preços acessíveis, num contexto de perda de rendimentos das famílias. Mas afinal o que é uma cooperativa? Como funciona? Quais as vantagens e desvantagens? Respondemos a todas estas questões e outras com fundamento legal.

“Para os cidadãos, as cooperativas de habitação e construção são uma alternativa à aquisição tradicional, pela forma de financiamento em particular, mas sobretudo pela possibilidade de adquirir habitação por um valor cerca de 20% inferior ao do mercado”, começa por explicar a Lamares, Capela & Associados, neste artigo preparado para o idealista/news, dando nota de que “estas cooperativas não são novidade – tanto que a legislação que as rege é antiga e carece que actualização ou concretização -, mas temos assistido a uma intensificação da aposta neste regime, na senda de outros países, nomeadamente em Espanha“.

O que são as cooperativas de habitação e construção?

As cooperativas de habitação e construção, que são uma das várias formas de cooperativas e por isso também se regem pelas disposições do Código Cooperativo, estão descritas no Decreto-Lei 502/99 de 19 de novembro, como “as que tenham por objeto principal a promoção, construção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua manutenção, reparação ou remodelação” –  artigo 2.º, n.º 1.

Nestas cooperativas de habitação, é obrigatório criar dois fundos:

  • um fundo para a construção;
  • um fundo para a conservação e reparação.

É que, para além do objetivo de construção de habitação “constitui igualmente objetivo das cooperativas de habitação e construção contribuir para a melhoria da qualidade habitacional dos espaços em que se integram, promovendo o tratamento das áreas envolventes dos empreendimentos por que são responsáveis, incluindo as zonas de lazer, e assegurando a manutenção permanente das boas condições de habitabilidade dos edifícios”

É então uma associação de cooperantes, que prossegue o objeto de aquisição, construção, manutenção e conservação de habitação, baseada na decisão democrática dos membros..

Para que servem as cooperativas de construção e habitação?

A lógica na base das cooperativas de habitação é a economia social, e o objetivo da sua criação e desenvolvimento é satisfazer as necessidades dos membros, por oposição ao objetivo das sociedades comerciais que é o lucro.

Isto não significa que as cooperativas não podem desenvolver atividade económica com terceiros e lucrar com isso: podem e fazem-no, pois, a solidez e prosperidade da cooperativa interessa aos seus membros, sendo certo que esse retorno económico não pode ser distribuído aos cooperadores mas deve integrar as reservas da cooperativa.

As reservas da cooperativa de habitação devem servir dois fundos:

  • para financiar a aquisição e construção
  • para conservação, reparação e limpeza do património.

Mas pode também ser criada uma reserva social “destinada à cobertura dos riscos de vida e invalidez permanente dos cooperadores e à prestação de outros benefícios de natureza social”.

Percebemos que a lógica das cooperativas de habitação e o interesse que despertam não passa apenas pela aquisição de uma casa mais barata, mas também pela aposta na satisfação da necessidade concreta dos membros a que se destinam.

Os membros das cooperativa de habitação e construção podem determinar que as suas necessidades vão além da redução do preço, e que também passam pelo controlo da qualidade da habitação e ainda o cariz social.

Como criar uma cooperativa de habitação e construção?

Apesar da muita burocracia ainda associada à gestão das cooperativas e de ser essa uma das desvantagens que lhes é apontada, a criação de uma cooperativa de habitação pode hoje em dia ser feita “Na Hora”, tal como com as empresas, com um custo reduzido de 360 euros – nesta modalidade, os membros selecionam o nome de uma lista existente e preenchem os estatutos predefinidos – sem prejuízo de depois ser possível alternar.

Pelo método “tradicional” é possível escolher o nome, elaborar os estatutos na sequência da assembleia de fundadores, sendo obrigatório constituir a cooperativa por escritura pública nos casos em que há transmissão dos bens que representam o capital social.

Posso integrar uma cooperativa de habitação já constituída?

cooperativa de habitação e construção pode ser criada para um projecto único e específico, mas pode ser criada com o objetivo de criação e gestão continuada de projetos de habitação, assim, esta pode continuar a integrar membros e desenvolver novos projectos.

Os membros da cooperativa podem ser particulares – incluindo os menores, ou pessoas colectivas sem fins lucrativos.

Serei o proprietário do imóvel no final da construção coperativa?

No sistema cooperativo há duas alternativas à aquisição da habitação:

  • propriedade individual – a propriedade plena passa para o cooperador.
  • propriedade coletiva – a propriedade é mantida na cooperativa e a habitação é cedida aos cooperadores sob a forma de direito de habitação ou de inquilinato cooperativo.
  • Propriedade individual nas cooperativas de habitação

É transmitida por contrato de compra e venda nos mesmos termos que qualquer aquisição tradicional. Quando o preço deva ser pago em prestações, pode a cooperativa reservar para si a propriedade do fogo até ao integral pagamento do preço.

O direito de habitação é atribuído escritura pública, sendo que o cooperador pode alienar este direito por morte ou em vida, desde que o adquirente possa ser admitido como membro da cooperativa.

No inquilinato cooperativo o gozo é cedido ao cooperador mediante um contrato de arrendamento.

Porque é que as casas compradas em cooperativa são mais baratas do que no mercado?

Desde logo pela regra de ouro destas cooperativos de que o preço dos fogos no final não poderá exceder o respetivo custo (relativamente ao qual se somou, o terreno, infraestruturas, projeto, construção, encargos administrativos e financeiros com a execução, licenças e taxas e o fundo não superior a 10% da soma dos outros itens).

Para além disso, as cooperativas de habitação são uma das entidades que podem construir ou adquirir as Habitações a Custos Controlados (HCC) as quais contam com o apoio financeiro do Estado, que concede benefícios fiscais e financeiros para a sua promoção desde que se destinam a habitação própria e permanente ou a arrendamento.

“A concessão destes apoios tem como pressuposto a construção de qualidade, e que obedeçam aos limites de área bruta, custos de construção e preço de venda fixados”, conforme se explica no Portal da Habitação.

  1. “Os promotores de habitação a custos controlados têm acesso a diversas linhas especiais de crédito, que abrangem as várias vertentes do circuito da promoção habitacional, desde a aquisição e infra-estrutura de solos, à construção dos empreendimentos e do equipamento social”.
  2. “Os montantes máximos do financiamento podem atingir os 80% do valor de venda das habitações, com uma taxa de juro bonificado até 1/3 da taxa de referência para o cálculo das bonificações, ou taxa contratual se esta for menor.”

“As empreitadas de construção de imóveis habitacionais (bem como os contratos de prestações de serviços com ela conexas) promovidas por cooperativas de habitação e construção podem beneficiar da taxa reduzida do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), nos termos da verba 2.25 da Lista I anexa ao Código do IVA, desde que sejam certificadas pelo IHRU, I.P., como respeitando o conceito e os parâmetros de habitação de custos controlados, podendo esses parâmetros ser majorados até 20 %.”

Vantagens e desvantagens das cooperativas?

São enumeras as vantagens do regime cooperativo, das quais realçamos:

  • Aquisição de habitação a um valor que pode chegar a ser 20 a 30% inferior ao mercado tradicional.
  • Ao adquirir os imóveis da cooperativa é possível ao cooperante “financiar-se” sem recorrer ao banco, podendo pagar em prestações à cooperativa, o que poderá ser uma alternativa interessante.
  • O cooperador pode ter uma participação ativa e contribuir para o projeto, para o controlo da qualidade da construção e decidir continuar a cooperar para a manutenção e reparação da sua habitação.

Também se apontam desvantagens nas cooperativas de habitação como:

  • Burocracia e rigidez na regulamentação das cooperativas de habitação e acesso às Habitações a custos controlados (HCC).
  • A criação gestão de uma nova cooperativa de habitação e construção exige tempo e conhecimentos legais e de outra ordem que nem todos têm.

“Quanto a estas sempre se dirá que é possível aderir a uma cooperativa já constituída e apenas beneficiar da aquisição ou outras formas de titular a habitação e que mesmo no caso da constituição de uma nova já há empresas especializadas na gestão profissional de cooperativas de habitação, superando as duas desvantagens apontadas”, rematam os juristas.

*Ana Sofia Lamares, Sócia / Partner da Lamares, Capela & Associados

Fonte: Idealista