23 de Março, 2022 Lucas Lopes

“O estigma de que não se faz carreira no imobiliário está a mudar”

De 2019 para cá, a Escola Superior de Actividades Imobiliárias (ESAI) tem visto crescer o número de alunos e o volume de formação, atraindo um público cada vez mais jovem.

É a única instituição de ensino superior no país dedicada à formação em todas as áreas do imobiliário mas, situada em Marvila, Lisboa, a Escola Superior de Actividades Imobiliárias (ESAI) passa despercebida para a maioria das pessoas.

A falta de regulamentação do setor em Portugal levou a que durante muitos anos a atividade fosse esquecida por parte das escolas secundárias, levando os jovens a não ter a oportunidade de ponderar sequer fazer carreira no imobiliário. Contudo, este aparenta ser um paradigma em mudança, afirma Julie Lefebvre, presidente da ESAI, em entrevista ao Dinheiro Vivo.

Para a responsável, a formação dos profissionais do setor, independentemente da sua área, é mais necessária que nunca, até porque “é fácil iniciar um negócio, difícil é mantê-lo”, nota. É aqui que entra a ESAI, a apostar cada vez mais na disponibilização de formação, que vai desde a licenciatura em Gestão Imobiliária ao MBA em Avaliação Imobiliária.

De que forma as formações da Escola Superior de Actividades Imobiliárias (ESAI) beneficiam os profissionais da área?
Nós existimos há 30 anos e somos a única escola no Ensino Superior especializada na área do imobiliário. A maior valência da nossa instituição é que reunimos todo um corpo docente especializado em todas as áreas do mercado imobiliário. A maioria, sendo professores doutores, estão ligados à prática, e, inevitavelmente, isso leva a que tenhamos um ensino prático. Além dos alunos estarem a aprender na teoria, a prática confere-lhes vantagem.

Como tem evoluído a procura pelo vosso ensino?
Quando há crises, tomando por exemplo a última crise efetiva em Portugal, a tendência é que as pessoas deixem de investir. Aquilo que observo é que, nas épocas de crise, a ESAI cresce muito mais. E isso tem uma explicação: as pessoas que estão nesta área são pessoas que, na sua maioria, inicialmente, tinham pouca formação – e neste momento querem distinguir-se dos outros.

Quando falamos em crise, as pessoas têm noção de que têm de se munir de determinadas armas para se diferenciarem dos outros. Nestas alturas em que há oscilações nós temos crescido significativamente. Por exemplo, na época da covid-19, não tivemos alunos a desistir, porque sabiam que tinham necessidade desta formação.

A licenciatura em Gestão Imobiliária é a “nossa menina”, é aquela que existe há mais tempo e é a que hoje tem uma procura muito grande. Inicialmente, falando há 20 anos, esta licenciatura seria procurada por pessoas que já trabalhavam na área e, neste momento, a tendência dos últimos quatro anos é de que há uma apetência para pessoas muito mais novas, jovens que saem do ensino secundário, que por gosto e por opção vêm para o Imobiliário.

A mediação imobiliária é uma das áreas que abarca a licenciatura, mas quem a procura geralmente são pessoas que querem especializar-se em Fundos de Investimento, Gestão de Ativos Imobiliários, Gestão de Património e Gestão de Condomínios. Trata-se, ou de pessoas que já estão nestes campos de atuação e querem fazer o seu próprio negócio, e não tendo bases de conhecimento suficientes para o fazer sentem necessidade de ter esta formação, ou deste target mais jovem que tem uma perspetiva de mudança no imobiliário.

O estigma de que não se faz carreira no imobiliário está a mudar. A face mais visível do imobiliário é, de facto, a mediação – mas essa é a menor fasquia do setor. Quando falamos de imobiliário, estamos a falar também de fundos de investimento, das sociedades gestoras de Imóveis, investimento estrangeiro. E hoje as pessoas têm conhecimento disto, não associam o setor imobiliário apenas às vendas e conseguem ter uma visão muito mais abrangente.

Porque é que existia este estigma?
Talvez o mercado tenha sido um pouco “camuflado” durante muitos anos. Era uma fasquia muito pequena do país que estava nestas altas esferas do imobiliário, onde há muitos conflitos de interesses, até porque o imobiliário gere milhões e é o principal motor da economia em Portugal.

Considera que existe uma falta de abordagem do setor imobiliário no ensino em Portugal?
O que falta é a regulamentação do setor. A avaliação imobiliária está regulada, os fundos de investimento estão regulados, mas a mediação imobiliária em Portugal não tem regulamentação – o que é algo completamente distinto daquilo que acontece na Europa e na América. Nós temos uma parceria com a maior escola do imobiliário, a ESPI (Ecole Supérieure des Professions Immobilières), em Paris, onde os empresários fazem filas de espera para recrutar os recém-licenciados, e isso acontece porque a regulamentação do setor existe e é obrigatório que as pessoas que trabalham tenham regulamentação. Aqui, como é que uma escola secundária pode apresentar aos seus alunos esta atividade, se ela não está regulamentada?! Esta é uma lacuna do nosso sistema, na qual as ordens e as associações do setor têm trabalhado.

É preocupante haver pessoas sem formação na mediação imobiliária?
Enquanto não houver regulamentação do setor vai continuar a existir este tipo de “profissionais”. A verdade é que não há nenhuma exigência para que isso aconteça. Na gestão de condomínios isso também sucede – é por este motivo que a APEGAC quer a regulamentação e a profissionalização do setor. Se não houver obrigação de formação nestas duas áreas de atuação, as pessoas não vão fazê-la.

Em tudo, há pessoas que se diferenciam de outras. E na mediação, nós temos profissionais muito bons, uns que fizeram licenciatura e outros que não – até porque as pessoas não precisam tirar uma licenciatura para saber vender. O que é fundamental é os profissionais quererem que a profissão seja dignificada, e a maneira de o passar a ser é precisamente através da regulamentação. É imperativo que isto aconteça.

Qual a taxa de empregabilidade da ESAI? Têm algumas parcerias com empresas do setor?
Nós temos uma taxa de empregabilidade de 100% e temos vários protocolos com muitas empresas em todas as áreas do setor: na promoção imobiliária, na mediação, nos fundos de investimento, etc. Temos empresas que ficam à espera de finalistas, de que são exemplo a ANA Aeroportos, a Sonae e a Portway. Trata-se de empresas que têm um vasto património que tem de ser gerido por alguém.

Nós somos muito fortes em termos de formação especializada, nomeadamente na avaliação imobiliária. Representamos cerca de 80% da fasquia das pessoas que estão inscritas na CMVM [Comissão para o Mercado de Valores Mobiliários] para avaliadores imobiliários. A nossa licenciatura é a única que dá acesso direto à CMVM. Todas as pessoas de outras áreas têm de fazer uma formação de 300 horas para se poderem inscrever e fazer avaliação imobiliária – o nosso MBA dá precisamente esse acesso. Dos alunos que temos, apenas 10% se encaixam na mediação.

De que forma a pandemia afetou o setor imobiliário?
Não consigo identificar grandes impactos no setor. Talvez a única coisa que se possa ter assistido é a uma mudança de paradigma em relação ao mercado de escritórios. As empresas perceberam que não precisavam de tantos colaboradores e diminuíram instalações – poupando e promovendo a “sustentabilidade”, que é o que está em voga. A pandemia veio mostrar-nos que, de um dia para o outro, as coisas mudam: hoje eu tenho o escritório aqui e amanhã não preciso mais disto e o imóvel é meu e tenho os custos todos instalados aqui. Outro tipo de negócio são os escritórios flexíveis.

Qual o atual contexto do setor?
Neste momento, já não há espaço para construir, o terreno está escasso. O que vai acontecer daqui para a frente é a regeneração e requalificação do espaço urbano. Na pandemia, as pessoas passaram muito tempo nas suas casas. E hoje, mais importante do que a casa onde eu vivo é onde ela está inserida – se tem espaços verdes, se tem serviços. Eu escolho um lugar para viver e quero viver melhor no sítio onde eu estou. A preocupação da cidade é exatamente servir neste âmbito. O repensar do espaço onde vivemos é imperativo.

O mercado vai ser afetado com a guerra na Ucrânia? Assistimos aos aumentos dos preços das energias e dos bens. Os preços no setor imobiliário também vão aumentar?
Inevitavelmente, sim. O imobiliário, em algumas zonas, já está bastante extrapolado, ou seja, acima dos valores reais. Também os custos da construção vão aumentar, a matéria-prima vai aumentar, todos os custos envolventes vão aumentar e vai haver escassez. Este é o efeito imediato da guerra.

Quais são as tendências do setor imobiliário para 2022?
As tendências do setor imobiliário para 2022 são a regeneração e a requalificação da zona urbana. É a grande preocupação que as cidades devem ter e é também uma preocupação política que até os dirigentes das próprias cidades vão ter de ter.

Como viver na cidade de forma mais sustentável?
As cidades vão ter de proporcionar às pessoas meios de transportes mais sustentáveis. Esta é uma tendência que vem com as normas regulamentares da Comunidade Europeia: ambiente, social e governação. A preocupação de uma empresa não deve ser só o lucro. O lucro é importante, mas têm de passar a obtê-lo de forma sustentável em todos os âmbitos. Daqui para a frente, as empresas (todas elas, incluindo o imobiliário) passarão a agir neste sentido ou então estarão “fora”. O imobiliário não é exceção e terá de acompanhar obrigatoriamente estes três pilares. Neste sentido, a ESAI vai lançar um MBA especializado em “Sustentabilidade e Cidades do Futuro”, que é o tema que está na ordem do dia.

Os profissionais estão sensibilizados e sentem necessidade de fazer formação?
Temos de falar nas várias vertentes. Se falarmos nos investimentos Imobiliários, sim estão muito sensibilizados e estão neste caminho; se falarmos na avaliação imobiliária, também estão sensibilizados e já estão neste caminho há algum tempo; se falarmos na gestão de empreendimentos, as pessoas estão sensibilizadas e procuram formação. Depois, voltamos à questão da regulamentação, em que uns estão e outros não, pela questão da falta de obrigatoriedade. Cerca de 10% da mediação imobiliária procura formação, e geralmente são os excelentes profissionais que a procuram porque sabem que têm de se diferenciar. É parte da nossa missão, enquanto instituição de ensino, fazer ver a estas pessoas que a formação é essencial. Até porque é fácil iniciar um negócio, difícil é mantê-lo – têm de existir bases.

Como é que se lida com os novos perfis de cliente? Nomeadamente estrangeiros, vistos gold, fundos de investimento?
Quem lida com esse tipo de perfil tem de ter formação. É impossível trabalhar com as muitas questões burocráticas e as muitas especificidades sem se ter formação. Os profissionais da área assumem que querem passar de um patamar para o outro e dizem que não conseguem – e é natural, temos de saber fazer as coisas para nos podermos iniciar nelas, e, mais uma vez, a resposta está na formação do ensino superior.

Quais são as exigências para um vendedor de imóveis de luxo?
Eu não diferencio o mercado de luxo de outro mercados. Sabendo trabalhar num, tenho de saber trabalhar noutro. Tem mais a ver com a própria postura da pessoa. Mas no mercado de luxo, estamos a falar novamente da mesma coisa: de pessoas que têm conhecimento daquilo que estão a fazer ou não.

Quais são as novidades da ESAI para este ano?
Em abril, vamos lançar um MBA em mediação imobiliária, que considero ser fundamental para as pessoas dessa área.

Quais são as expectativas para este curso?
Já temos muita procura, para minha surpresa, porque há cerca de quatro anos lançámos um MBA focado nesta área e as pessoas não aderiram por inúmeros motivos, nomeadamente, o preço. E agora, não. Há uma viragem no setor.

O que é que fez dar-se esta viragem?
Julgo que tenha precisamente a ver com a procura por parte das pessoas mais novas – as que já “cá” estão não querem sair e sabem que têm de apostar na formação e diferenciar-se. As pessoas estão finalmente a começar a entender o imobiliário como uma carreira.

 

Fonte: Site Dinheiro Vivo