Apesar da incerteza causada pelo Covid-19, e de possíveis oscilações, o administrador da Square AM, Pedro Coelho, olha com otimismo para o futuro do setor.
“Não entrar em pânico, não tomar decisões precipitadas e, sobretudo, manter o sangue frio e disciplina”. Este é o conselho de Pedro Coelho, administrador da Square Asset Management (Square AM), que, em entrevista o idealista/news, analisa o presente e perspetiva o futuro do setor imobiliário, face ao novo contexto provocado pelo Covid-19. O especialista não tem, aliás, dúvidas de que o imobiliário continuará a ser um refúgio de investimento, apesar de vivermos num “período de grande incerteza”, frisando que o regresso à normalidade será feito em função da “dimensão do impacto da crise e da rapidez da recuperação”.
O idealista/news entrevistou presencialmente o responsável sobre o estado atual e futuro do imobiliário a 6 de março de 2020, duas semanas antes de ter sido decretado o Estado de Emergência no país, por causa da pandemia do novo coronavírus. Foi, nomeadamente, abordado sobre como é ter a responsabilidade de ter a cargo o maior fundo de investimento imobiliário do país (CA Património Crescente), enquanto sociedade gestora, até aos negócios fechados já este ano. Mais tarde, voltámos a questionar por escrito Pedro Coelho, agora sobre o comportamento dos investidores e reação à crise do Covid-19. No artigo de hoje, recuperamos as respostas e balanço feitos nessa altura, cruzando-as com a nova realidade e opinião do responsável sobre a atualidade e impacto desta crise inédita no setor.
O imobiliário sempre foi tido como um refúgio para investidores. Porquê?
O imobiliário foi surgindo como uma classe alternativa de investimento. Eu diria que sempre foi, mas de alguma maneira com taxas de juro muito altas, era (uma classe alternativa), mas pouco competitiva. E, portanto, tipicamente, compara-se com as classes mais tradicionais que são obrigações e ações para investidores mais qualificados, e para investidores menos qualificados, ou fundos de investimento como forma de investir indiretamente ou investindo diretamente. Alternativamente, ainda há os depósitos a prazo, que no fundo é o mais defensivo e mais seguro.
Durante muitos anos, digamos só por si a taxa de juro era atrativa, o risco era baixo, e portanto os particulares avessos ao risco aplicavam as poupanças em depósitos a prazo. A partir do momento em que as taxas de juro começam a descer muito, e no fundo já estamos um pouco a assistir a isso, se calhar desde há quase dez anos, nunca tiveram tão baixas como hoje. Portanto os produtos que dependem de taxa de juro têm vindo cada vez mais a serem menos competitivos. Os produtos, digamos, de mais risco, que são os produtos de alguma maneira ligados com ações, são produtos que têm tido retornos elevados, mas também têm mais risco naturalmente, têm mais volatilidade, por um lado, e por outro, nós sabemos que não podem crescer para sempre.
Os produtos que dependem de taxa de juro têm vindo cada vez mais a serem menos competitivos
E, portanto, desse ponto de vista o imobiliário tem vindo a surgir, primeiro, para investidores institucionais com um aumento da preponderância na alocação nas carteiras globais, da percentagem que fazem alocadas em imobiliário, porque no fundo é um tipo de ativo que apresenta retornos mais elevados que os produtos de obrigações e com menos volatilidade que os fundos de ações. Para investidores particulares no sentido em que alternativamente, não têm taxa de juro quer nos bancos, em depósitos a prazo, quer se aplicarem em obrigações.
Tudo se alterou com a pandemia. O imobiliário vai continuar a ser esse refúgio quando as economias recuperarem?
Neste momento, vivemos num período de grande incerteza. Incerteza porque não dominamos o que se está a passar nem sabemos quanto tempo vai durar e também quando e como vai ser o “após”. No entanto, e dentro de algumas incertezas, todos antevemos uma recessão (não sabemos quão profunda e por quanto tempo), logo o mercado de ações vai sofrer de certeza de uma grande volatilidade e provavelmente de ainda alguma queda.
Também se antevê que os juros não subirão de certeza, ou ficarão ainda mais baixos e ficarão baixos por mais longo tempo. Assim, o imobiliário (dentro da incerteza e podendo ter também as suas oscilações ) irá continuar a ser um refúgio, dado ser um ativo real e produzir rendimento.
Que impacto terá o coronavírus no mercado imobiliário a curto prazo?
No curto prazo, é tudo muito incerto. A vantagem do mercado de capitais é exatamente o facto de se fazer à distância. No mercado imobiliário são necessários notários para se fazerem escrituras, visitas a imóveis para os utilizadores os usarem ( tanto particulares como empresas) etc. Assim, no curto prazo, não haverá negócios (arrendamento ou venda). Depois, e gradualmente, os negócios regressarão. É natural que, em função da dimensão do impacto da crise e da rapidez da recuperação, possamos regressar ao normal.
Como é ter a responsabilidade de ter a cargo o maior fundo de investimento imobiliário do país (CA Património Crescente), enquanto sociedade gestora?
A Square é composta hoje em dia por um grupo muito alargado de profissionais, somos cerca de 50 colaboradores ao todo. A grande maioria são colaboradores que já trabalhámos juntos na altura no Grupo Espírito Santo na década de 90, e cerca de um terço dos colaboradores trabalharam juntos na ESAF. Temos uma experiência muito larga. Para os clientes acho que é um motivo de confiança, porque efetivamente há muitas coisas que se aprendem com a experiência desde que a pessoa esteja motivada para continuar a trabalhar com o mesmo dinamismo e com a mesma vontade, acho que é uma vantagem grande, já passámos por muitas situações, já passamos por algumas crises, portanto já sabemos, e não quer dizer que não possa sempre haver surpresas, porque há sempre, mas no fundo acabamos por ter um pouco essa experiência de outras situações semelhantes que já passaram por nós.
Há muitas coisas que se aprendem com a experiência desde que a pessoa esteja motivada para continuar a trabalhar com o mesmo dinamismo e com a mesma vontade
Temos sempre uma preocupação muito grande, de tentar gerir bem os imóveis que gerimos – e deixe-me acrescentar e fazer um parêntesis que na ESAF já tínhamos tido a experiência de começar um fundo do zero e geri-lo até ser o maior fundo do mercado, portanto não é a primeira vez que esta equipa de gestão faz isso – e portanto o objetivo de alguma maneira é, por um lado, do lado do ativo, ter uma diversificação muito grande de investimentos que permita que na prática o fundo tenha o menor risco possível. Essa diversificação tem a ver com investir em setores diferentes, comércio, escritórios, indústria, hotéis e depois subsetores, quer os chamados setores alternativos como residências assistidas, residências de estudantes etc..
Depois procuramos diversificar geograficamente, não estarem expostos a nenhum concelho em especial, diversificar a atividade económica dos inquilinos, diversificar a maturidade dos contratos e ser disperso quanto possível, para os contratos não acabarem todos no mesmo ano.É uma política que, pode-se dizer que é extremamente conservadora, porque procura em princípio ter os imóveis todos arrendados, com contratos longos. A lógica é ser um portfolio muito estável. O fundo está a apresentar um rendimento muito estável, como tem dado sempre, e estamos confiantes e conscientes que, na prática, aquela carteira, do ponto de vista de longo prazo, continua a ser uma carteira sustentável e com bons retornos.
Como é que se pode estar preparado para uma “surpresa” como esta?
Nunca se está completamente preparado para uma surpresa desta dimensão. No entanto, e o facto de a equipa de gestão já ter passado por várias crises anteriores leva-nos a não entrar em pânico, e procurar gerir a situação com o maior bom senso possível tentando estabelecer compromissos entre as várias partes interessadas. Mas também é muito importante o trabalho realizado anteriormente que permite estar a gerir um portfolio muito sólido
De que forma está a Square a gerir este momento inédito?
A Square está a gerir o momento quase na totalidade em teletrabalho, mas mantendo a sua atividade normal, isto é, temos por um lado Fundos de Investimento que têm valorização diária com subscrições e resgates, que temos que acompanhar, e por outro lado temos que gerir os ativos, do ponto de vista técnico, jurídico, administrativo, e comercial, nomeadamente estando próximo dos inquilinos por forma a apoiá-los neste momento difícil para todos, mantendo sempre a defesa dos interesses dos participantes que nos confiaram as suas poupanças
E já se sentem os efeitos do “vírus” no negócio? Em que medida?
Os efeitos do vírus notam-se principalmente, e como referi antes, na suspensão da concretização de contratos de arrendamento e de escrituras, por um lado. Por outro, uma maior necessidade de uma gestão mais ativa dos portfolios arrendados, de forma a estar mais próximo dos inquilinos e das suas necessidades
Qual tem sido a reação dos investidores?
Os investidores têm mostrado principalmente cautela na gestão da sua liquidez, adiando decisões até que haja uma clarificação maior do que irá acontecer.
A que é que um investidor deve prestar atenção, de forma geral?
Pondo a questão do ponto de vista de quem quer investir, para onde é que deve olhar, eu diria que, em primeiro lugar, tudo tem a ver com a experiência da pessoa, isto é, se a pessoa é totalmente inexperiente obviamente que não deveria fazer um investimento direto, porque na prática é como nós – mal comparado – se formos a um talho comprar um bom bife, ou confiamos muito em quem está a vender, ou se não tivermos essa experiência, na primeira vez que compramos não temos capacidade para saber qual é o melhor bife para comprar.
Os fundos investimento hoje em dia, nomeadamente os abertos, são uma excelente alternativa de investimento
Agora imagine-se isso em relação a um imóvel, que é um valor caro, e portanto se nós não sabendo nada compramos um imóvel… a probabilidade é comprarmos caro demais, fazermos asneiras, pagarmos impostos a mais do que devemos, depois não arrendarmos, não termos cuidado com os contratos… portanto há uma série de variáveis, o imóvel pode estar em más condições, tem que se fazer obras, questões de condomínios etc etc e que, no fundo, são demasiadas variáveis para quem não sabe e portanto desse ponto de vista investir através de um fundo de investimento permite ter o risco associado a investir em imobiliário, ter uma rentabilidade que hoje em dia é atrativa, e no fundo, indiretamente, está a investir num portfólio diversificado de imóveis em vez de também estar a correr o risco concentrado de investir só num imóvel.
De qualquer modo eu diria que do ponto de vista da relação risco retorno, e mais uma vez falando em termos médios, os fundos investimento hoje em dia, nomeadamente os abertos, são uma excelente alternativa de investimento.
Que conselhos daria agora para quem quer investir, perante este novo cenário?
Os conselhos são semelhantes, embora com um reforço adicional de cautela face ao momento que se vive, e o de privilegiar aplicações em produtos que garantam mais liquidez.
Tem alguma perspetiva de como irá comportar-se o CA Património Crescente?
Ainda é um pouco prematuro, mas estamos confiantes que, face à diversificação dos ativos do Fundo e aos níveis elevados de liquidez consigamos que o CA Património Crescente continue a ser um Fundo referência no mercado.
Como é que é feita a gestão de um fundo?
A política do fundo insere-se naquilo que eu falei há pouco, isto é, um fundo aberto que tem subscrições e resgates diários e portanto há uma monitorização diária. O fundo não distribui os rendimentos, as pessoas se necessitarem do seu capital podem resgatar o fundo e desse ponto de vista nós achamos que os fundos abertos devem ser fundos que acumulem as receitas das rendas, sendo que por sua vez essas receitas das rendas servem para poder reinvestir e dar mais retorno aos participantes.
Nós temos um cash flow provisional do fundo, ao longo dos meses, que é atualizado diariamente em função das tais novas subscrições e resgates que acontecem. Há um rácio de liquidez interno prudencial que nós temos, isto é a lei hoje não obriga a que haja um mínimo de liquidez, mas no passado houve, que era 6% da carteira, e nós temos um rácio interno que será entre 6 a 10% que temos que ter permanentemente em liquidez para fazer face ao que eventualmente acontecer, se houver um problema e digamos houver mais resgates subitamente, para que estejamos preparados para isso.
Nós temos um rácio interno que será entre 6 a 10% que temos que ter permanentemente em liquidez para fazer face ao que eventualmente acontecer
Portanto, exceto essa parte, eu diria que o resto é para investir. Com isto não quer dizer que se invista a correr, e depressa, e tendencialmente se fizer isso, fazer mal. Se houver oportunidades boas, e sempre se enquadrem na tal política que eu falei há pouco, investiremos. Mas não podemos ter ânsia de querer gastar a liquidez que temos, porque essa deve ser guardada com cuidado para fazermos os melhores investimentos possíveis para os participantes.
Houve muitos resgastes, até ao momento?
Temos tido alguns resgates (bastante mais do que o normal) mas o Fundo fecha março com um crescimento de 0,6% ( ou 5 milhões de euros) face ao final de fevereiro. Temos níveis de liquidez muito saudáveis (cerca de 16% do Fundo, ou 130 milhões de euros).
O Fundo fecha março com um crescimento de 0,6% (ou 5 milhões de euros) face ao final de fevereiro
Quais as “armas”, se é que existem, para tentar combater esta crise inédita?
As “armas” depende um pouco de cada situação concreta, mas diria que não entrar em pânico, não se precipitar nas decisões e manter o sangue frio e disciplina
Por que é que vale (e valerá) a pena investir no setor?
Do nosso ponto de vista, e o que acontece muitas vezes, é que, quando se fala em imobiliário, há um bocado de tendência para afunilar a pergunta para a habitação –todos nós temos que viver em algum lado e, portanto, todos queremos é saber se nossa casa em termos médios vai subir de preço, descer ou estabilizar. Portanto, e desse ponto de vista, eu acho que, principalmente no centro de Lisboa e no centro do Porto os preços das casas subiram muito, claro que o subir muito tem a ver também com a base, que era muito baixa no pós crise, mas no fundo subiram para valores acima do antes da crise e, de alguma maneira, analisando a série histórica, então a maior parte dos casos está no pico dos preços.
No caso do imobiliário comercial há um lado muito racional, que é saber se as empresas que são inquilinas podem pagar x euros por metro quadrado daquele imóvel, e portanto ou podem ou não podem em função da sua conta de exploração. Nesse sentido, ainda é possível no imobiliário comercial adquirir imóveis a preços por metro quadrado, quando comparados com a tal série histórica, ainda abaixo dos preços que havia antes da crise, quando isso já é mais difícil no imobiliário residencial. Agora a questão mais uma vez tem a ver com a pessoa ter capacidade financeira para fazer um investimento direto e comprar por exemplo um edifício de escritórios ou uma fração de escritórios com o inquilino etc, ou se quer investir indiretamente para ter menos risco e portanto fazê- lo através de um fundo de investimento imobiliário.
Já protagonizaram um dos primeiros negócios do ano, com a aquisição do Fórum Castelo Branco, no interior do país. A localização já não é tudo para os investidores?
Os anglo-saxónicos, nomeadamente os consultores, dizem que, em primeiro lugar é a localização, em segundo a localização, terceiro a localização. E eu costumo dizer um pouco que isso é verdade nos países anglo saxónicos, mas que nos países latinos infelizmente não é. Não deixa de ser verdade, não é a única verdade e está do meu ponto de vista muito longe de ser a primeira. Para nós o mais importante é a qualidade dos inquilinos, a seguir vem a duração dos contratos e depois a seguir vem o preço metro quadrado, taxa de rentabilidade e por fim a localização.Portanto eu não quero dizer com isto que a localização não seja importante. O que eu quero dizer é que é importante mas não é a minha primeira. Eu digo muitas vezes que em tese eu prefiro ter um supermercado arrendado a vinte anos a uma das grandes cadeias mais conhecidas de distribuição alimentar, mesmo que seja no interior, do que ter um imóvel de escritórios no Marquês de Pombal com contrato de dois anos.
Compraram recentemente uma carteira de vários imóveis no valor de 47 milhões em Lisboa. Já há planos para esses edifícios?
Os planos para o portfólio que adquirimos recentemente inserem-se na nossa estratégia geral, de gestão do fundo. Como eu disse há pouco, em primeiro lugar, para o adquirirmos olhámos para os inquilinos, os imóveis estão praticamente 100% ocupados, portanto olhámos para os inquilinos que estão lá dentro, para a duração dos contratos, para o preço, e achámos que era um bom preço, uma rentabilidade boa e um preço por metro quadrado abaixo da média de mercado.
A ideia não é revender os ativos, é manter a rentabilidade e os rendimentos de longo prazo
Este portefólio de escritórios insere-se dentro da política de ter os setores diversificado, nós nos últimos tempos fizemos algumas aquisições no setor comercial, de centros comerciais, e portanto foi importante para rebalançar a alocação a escritórios. A ideia não é revender os ativos, é manter a rentabilidade e os rendimentos de longo prazo.
Sobre o mercado de crédito mal parado. Como perspetiva este ano?
Temhavido um esforço muito grande por parte dos bancos todos do sistema, também com alguma pressão quer do Banco de Portugal, quer do BCE, para diminuírem a sua exposição aos chamados NPLS. Os bancos têm todos feito um esforço grande para isso, e o rácio geral tem diminuído muito, mas ainda há um caminho pela frente para fazer. Comparando com as médias europeias, ainda estamos um bocado acima, embora haja países que estão piores, a Grécia está pior, a Itália também está um bocadinho complicada.
A reabilitação esgotou-se? A aposta é a nova construção?
Eu acho que a reabilitação não se esgotou. Eu diria que infelizmente isto é uma questão de olhar para o copo meio cheio ou meio vazio. Se olharmos hoje para as ruas de Lisboa vemos felizmente vendo muitos casos de prédios que foram totalmente reabilitados, mas eu diria que olhando agora para o copo meio vazio, se andarmos nas mesmas ruas de Lisboa vemos muitos edifícios ainda em ruínas. Eu acho que do ponto de vista de quando se fala em fim da especulação imobiliária, ainda há muito a fazer no campo da reabilitação.
A questão dos projetos novos tem mais a ver com promotores que entenderam que não são oito ou dez apartamentos que fazem o mercado e portanto querem escala. Uma coisa é o pequeno promotor que faz uma reabilitação de um prédio de oito apartamentos, outra coisa é um promotor mais profissional mais institucional, que no fundo ou comprou o terreno, até podia comprar um conjunto de imóveis, faz uma demolição para depois vir com 100 ou 120 apartamentos para o mercado, como alguns casos que estão agora anunciados.
Fonte: Idealista