15 de Fevereiro, 2019 rcruz

Há cada vez mais investidores estrangeiros interessados na Margem Sul

Bem-vindos à Lisbon South Bay, a marca com que os municípios de Almada, Seixal e Barreiro se promovem junto de franceses, chineses ou americanos. Aproveitam o sucesso de Lisboa, mas oferecem cidades mais calmas e (ainda) mais baratas.

A gargalhada de Joaquim Santos espalha-se pelo autocarro. “É a primeira vez que faço de guia turístico”, confessa o presidente da CDU da Câmara do Seixal, ao microfone. Mas não é a primeira vez que mostra a zona ribeirinha do concelho a um grupo de potenciais investidores estrangeiros. É uma espécie de autarca-promotor imobiliário. O que, na verdade, está em linha com o que têm feito os seus vizinhos socialistas, eleitos apenas em Outubro, do Barreiro e de Almada. Inês de Medeiros até regressou há dias de uma viagem à Coreia do Sul para apresentar a empresários o projeto da Cidade da Água, que transformará os antigos estaleiros da Lisnave. E ainda na passada segunda-feira, 2 de Julho, Frederico Rosa alterou à última hora a sua agenda para mostrar os terrenos da Quinta Braamcamp, sobre o rio, a interessados que o contactaram na véspera.

Visitas como esta têm-se multiplicado nos últimos meses, conta o autarca barreirense. É, diz, um trabalho muitas vezes “invisível”. Até quando isso significa terminar uma reunião de Câmara à meia-noite e seguir para Lisboa para um encontro que dura mais duas ou três horas, concretiza. “Temos de ir a todas.”

No Seixal, a visita de um pequeno grupo de empresários franceses foi o lado público deste trabalho de bastidores, que tem levado os autarcas a salões imobiliários de Cannes ou Paris e a visitas a várias cidades no estrangeiro. A manhã de meados de Abril começara com uma apresentação no auditório da câmara. Dito de outro modo, iniciara-se com uma sessão de vendas interactiva. No ecrã, durante alguns minutos, lia -se “Uma terra com um mar de oportunidades” sobre uma imagem da baía ao pôr-do-sol. Depois, um vídeo acrescentaria que o Seixal é “um paraíso às portas de Lisboa”.

Ou, como colocaria Joaquim Santos – com direito a tradução simultânea para francês – é um concelho com “umconjunto de oportunidades de investimento”. E são muitas, entre possibilidades de construção ou de aluguer: três hotéis de quatro a cinco estrelas (um deles recuperando a antiga fábrica de cortiça da Mundet), um alojamento de charme, junto à oficina de Manuel Cargaleiro (projectada por Siza Vieira), mais três restaurantes (um deles no antigo terminal fluvial). E há mais: apostando naatracção de fãs de desportos náuticos, a Câmara prevê a construção de uma marina, em parceria com o Barreiro, e de um centro náutico, mas também de um novo estádio municipal e de um pavilhão multiusos, da ampliação do centro de estágio do Benfica, de um parque urbano que “terá a melhor vista e será o postal vivo de Lisboa”. Já no seu gabinete, em entrevista à SÁBADO, o comunista explicaria: “Somos praticamente mais um bairro de Lisboa e queremos que o afluxo turístico acorra aqui ao concelho.”

Exige-se aqui uma nota de rodapé: o argumento Lisboa é essencial na forma como estes concelhos da Margem Sul do Tejo se apresentam ao exterior. Até criaram a marca idílica de Lisbon South Bay (a baía a sul de Lisboa). Argumentam que estão a 15 minutos da capital de barco, perto das auto-estradas que dão acesso às pontes 25 de Abril e Vasco da Gama e têm linha de caminhos-de-ferro. E o Barreiro tem referido ainda a existência de dois portos na área da antiga CUF.

O que falha em Lisboa está a sul
Laurent Marionnet, diretor-geral da Câmara do Comércio Luso-Francesa e um dos membros da delegação que visitou o Seixal, explica à SÁBADO que “existe uma grande oportunidade para cidades como o Seixal de desenvolver a parte industrial e empresarial porque estão próximas de Lisboa e os preços são razoáveis”.

Ao contrário dos da capital, que já está “muito saturada”, sublinha. Frederico Rosa admite que se tem aproveitado desta saturação da capital para vender o Barreiro. Aliás, conta o que lhe disse um suíço que já investiu perto de 1 milhão de euros no centro histórico ribeirinho do concelho: tem o escritório em Lisboa, mas prefere regressar à sua casa do outro lado do Tejo, onde tem
“qualidade de vida, sossego e uma vista lindíssima” para Lisboa. O autarca refere o desejo de alterar a perspetiva da cidade-dormitório: “Ouvir isto de quem vem de fora reforça esta missão de fazer com que o Barreiro valha a pena para vir viver e não vir só dormir.”

Além da perspetiva imobiliária, estes concelhos vendem-se ainda como pólos empresariais e logísticos, geridos por uma mesma empresa, a Baía do Tejo. Coisa que em “Lisboa não há”, refere
Rui Coelho, diretor-executivo da Invest Lisboa, a agência de promoção e captação económica da capital, mas que tem trabalhado para promover toda a área metropolitana. “Estamos a fazer o
que muitos países desenvolvidos fazem. A agência de promoção de investimento de Estocolmo reúne 55 municípios. Na região de Lisboa faz ainda mais sentido”, continua numa conversa ao telefone a partir de Seul, uma cidade com tantos habitantes quanto Portugal.

“Numa perspetiva internacional, Lisboa acaba por ser uma cidade muito pequena, com poucos habitantes e com pouca capacidade para atrair investimento industrial ou logístico (não existem parques). Qualquer fábrica para se instalar terá de ser noutro concelho.”

Por isso, o bem de um é o bem dos outros: “Seria perigoso para o concelho de Lisboa se nos municípios à volta estivesse tudo pobre e desempregado.”

Frederico Rosa e Joaquim Santos concordam: a estratégia que estão a seguir pretende desenvolver economicamente os seus concelhos. Resume o autarca do Seixal: “Quando aprovámos o nosso Plano Diretor Municipal (PDM), em 2015, pensámos num objectivo claro para o município: temos de conseguir fixar cada vez mais população. E só o conseguimos fazer se tivermos emprego dentro de portas.” Daí que um dos argumentos que a comitiva portuguesa que a semana passava visitou a Coreia do Sul levava na mala, conta o administrador da Baía do Tejo, Sérgio Saraiva, a partir de Seul, é que estes concelhos são “uma plataforma para chegar a outros mercados, como o norte-americano e o europeu”. Há as estradas, os portos e o futuro aeroporto do Montijo a poucos quilómetros.

A ida à Coreia do Sul aconteceu por insistência do embaixador deste país asiático depois de visitar estes territórios. A presença de Inês de Medeiros (a SÁBADO tentou, sem sucesso, durante três meses obter declarações dos responsáveis da autarquia para este artigo) em Seul foi muito importante, faz questão de sublinhar o diretor executivo da Invest Lisboa: em países como a Coreia do Sul ou a China, refere, “pela cultura que têm, valorizam mais a presença de altas figuras”. E um potencial investidor satisfeito pode tornar-se um investidor de facto. E depois de um vem outro, percebeu Maria das Dores Meira no concelho-sede de distrito, Setúbal.

Autarcas, caixeiros e facilitadores
Ali o argumento Lisboa (que fica a cerca de 45 minutos de carro) é menos forte, mas o do turismo não. O Mercado do Livramento aparece nas telenovelas e na lista dos mais famosos do mundo do jornal norte-americano USA Today. Vende-se a Arrábida (que tem aparecido em anúncios de marcas automóveis de luxo), Tróia e a baía – inscrita no clube das Mais Belas Baías do Mundo, a
que a autarca atualmente preside.

Argumentos que convenceram um macaense a apresentar uma proposta de reabilitação para a zona da marina. “Quando ele aparece, atrás dele aparecem dezenas de investidores”, descreve
a presidente da autarquia, Maria das Dores Meira. Vêm da China (de Pequim a Hong Kong), dos Estados Unidos, de França (há uma comunidade com mais de mil pessoas, que até já vota).

“Quase toda a zona ribeirinha está comprada.” E lá vão nascer – depois da revisão do PDM que define a altura máxima dos edifícios e que estará pronta “até ao fim do ano” – hotéis, alojamentos
locais, restaurantes.

Tal como os colegas da Lisbon South Bay, também Maria das Dores Meira tem acumulado a actividade de promotora imobiliária com a de caixeira-viajante. E não rejeita o título. Em Março, esteve
em São Paulo a convite da Câmara do Comércio local. Fez uma apresentação para 230 empresários, teve reuniões com três bancos e algumas “grandes empresas”. Todos à procura de territórios com segurança onde possam investir.

“Ficaram espantados. Não conheciam Setúbal.” Também se encontrou com sete setubalenses, que são empresários lá. “Antigamente, eles tinham vergonha de Setúbal.” Agora já não, garante: fruto do investimento de multinacionais, como a Decathlon (900 postos de trabalho) ou do Alegro (1.100), o desemprego está abaixo da taxa nacional. “É um diamante que está a ficar polidinho.”

Os autarcas têm procurado também combater a máquina burocrática. Ajudam a desbloquear (dentro da lei) os problemas colocados aos investidores. E limpam a agenda para receber pessoalmente investidores. “A disponibilidade é crítica para o processo e [também] para as pessoas nos verem como quem está a ajudar”, concretiza Frederico Rosa.

Os três sabem que “para que um investimento se concretize, outros ficaram pelo caminho”, como resume o barreirense. Naquela manhã de sexta-feira de Primavera no Seixal, Joaquim Santos deu especial atenção à francesa Marie-Christine de Warenghien. Acompanhou-a durante parte do trajecto a pé. Já tinham estado juntos numa visita anterior da francesa, que até agora trabalhava na área do turismo no Dubai e que quer regressar à Europa. Há uns meses, vira os mesmos vídeos, mostrados no auditório da Câmara na Feira do Imobiliário de Paris. E numa ida ao Seixal, apaixonara-se pela Quinta da Fidalga. “Fica junto ao rio, é calmo”, descreveu à SÁBADO.

Já preparara um plano de negócios, fizera vir um arquiteto de França, mas eram ainda muitos os pontos de interrogação: não existe nos guias turísticos. Os autarcas tentam contrariar quaisquer dúvidas: este é o momento de, como diz Joaquim Santos, “partilhar a oportunidade” da dinâmica de Lisboa. A preços (ainda) de saldo.

 

Fonte: Sábado