Depois de anos conturbados, o mercado dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) está em alta, captando cada vez mais investidores – sobretudo estrangeiros, mas também portugueses, que chegam pouco a pouco. Muitos dos negócios realizados em Portugal este ano, que animaram o mercado imobiliário, tiveram aliás como protagonistas FII. Agora que os REITs estão para chegar, qual é o seu futuro?O idealista/news foi ouvir a opinião dos especialistas.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) diz que, em apenas um ano, “mais de 26 mil investidores participaram em FII, o que prova a atratividade do setor”.
Segundo dados avançados por esta entidade, em agosto o valor sob gestão dos FII atingiu 10.890,5 milhões de euros. Já o montante investido era de 7.826,3 milhões de euros, sendo que os países da União Europeia foram o destino da totalidade do investimento feito em ativos imobiliários: 43,7% em imóveis do setor dos serviços.
Estrangeiros usam Portugal para investir excedente de liquidez
A maioria destas operações tem sido realizadas por investidores estrangeiros, o que segundo explica ao idealista/news o presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), José Veiga Sarmento, tem a ver com o fato de serem “investidores que têm capacidade financeira, com uma grande disponibilidade de capital para investir, muitas vezes para cumprirem com rácios legais que lhes são impostos e que veem no nosso mercado uma forma de aplicar esses excedentes de liquidez com segurança e com uma perspetiva de rendibilidade muito interessante”.
Entre as grandes operações que marcaram o primeiro semestre de 2018 está, a nível hoteleiro, a transação do Hotel Intercontinental no Porto, “cujo valor por quarto, de mais de 500 mil euros, foi o mais elevado de sempre em Portugal”, conforme avançou a consultora JLL envolvida neste processo.
Já no retalho destaca-se a venda de parte do portfólio Rio Tejo, constituído pelo Sintra Retail Park, Fórum Sintra e Fórum Montijo, pelo montante de 400 milhões de euros; a Axa Investment Managers com a operação do Dolce Vita Tejo cifrada em 230 milhões de euros; e a Olimpo num portfólio estimado em 86 milhões de euros.
Algo pouco comum para Portugal, foi a transação de escritórios do Fundo Europeu Kildare com o Lagoas Park no valor de 375 milhões de euros; e a Blackstone com o portfólio logístico no valor de 18 milhões de euros.
Comercial move negócios mais rentáveis do que residencial
Consultado pelo idealista/news, Pedro Coelho, administrador da Square Asset Management (Square AM), afirma que, embora “o mercado habitacional esteja mais na moda”, prefere “falar do mercado comercial”.
O gestor de carteiras imobiliárias argumenta, em declarações ao idealista/news que é neste segmento “onde se fazem as maiores transações”, destacando que “a maior parte das transações foram, como tem sido normal, nos últimos anos, feitas por investidores institucionais estrangeiros, nomeadamente em centros comerciais, e isso tem um impacto notório porque os valores de um shopping center são muito grandes, basta fazer uma transação, como foi o caso do Forum Almada, e são logo 400 e tal milhões de uma só vez”.
Depois de um período conturbado os fundos têm assim vindo a recuperar. Do seu ponto de vista, tal fica-se a dever ao fato de “as taxas de juro estarem a zero e os fundos estarem com taxas positivas pelo que têm captado o interesse, nomeadamente dos pequenos particulares e pequenas poupanças”.
Ainda assim considera que os “fundos continuam a sarar as feridas do passado” e em Portugal, “praticamente só nós (Square AM) e o BPI é que têm liquidez para comprar; daí sermos os dois fundos mais ativos no mercado a comprar”. Faz, no entanto, a ressalva para o fato deste cenário só ser possível porque continua a existir “uma política conservadora” (ainda que “com os preços atuais é difícil ser-se conservador”).
Atualmente a Square AM gere cerca de 1.007 milhões de euros em fundos orientados para investidores particulares e institucionais, conta com seis fundos sob gestão, detém 9,40% do mercado e é a 4.ª maior quota em Portugal.
Onde estão os FII nacionais?
Nos Fundos Imobiliários nacionais, ainda não são completamente percetíveis os efeitos desta nova realidade de “ouro”. Ainda assim, o presidente da APFIPP considera que “os investidores nacionais estão já a regressar, pouco a pouco, aos FII, que começam a apresentar resultados bastante superiores aos retornos que os tradicionais depósitos bancários têm vindo a oferecer”.
Mas na sua análise destaca: “É preciso ter em conta que a realidade não é a mesma nos Fundos Abertos e nos Fundos Fechados”.
Com efeito, nos Fundos Fechados, muitos dos quais dedicados, parcial ou totalmente, à promoção imobiliária – atividade que esteve totalmente condicionada no período da Troika – tem sido possível finalmente colocar os imóveis no mercado, seja através do arrendamento, seja através da venda, com resultados muito favoráveis. Alguns Fundos Fechados, no entanto, ainda se debatem com dificuldades para resolver os problemas ocorridos na crise.
Já nos Fundos Abertos, nota-se uma generalização de resultados estáveis, positivos e francamente acima da remuneração das aplicações tradicionais (depósitos bancários e certificados de aforro, por exemplo), fruto da melhoria no mercado de arrendamento e das condições económicas do país.
Desta forma, a associação realça que, apesar de alguma melhoria no nível de captação de poupança dos aforradores, diversos FII ainda mantêm níveis de endividamento significativos, acrescentando que a sua capacidade para a aquisição de novos imóveis é, ainda, limitada, sobretudo porque têm a concorrência de veículos e investidores estrangeiros, melhor apetrechados financeiramente.
“Muitos FII têm aproveitado o bom momento do mercado imobiliário, sobretudo para realizarem mais-valias com a venda de património imobiliário em carteira e, desse modo, poderem reduzir os níveis de endividamento e/ou remunerar os participantes através de uma maior rendibilidade ou da distribuição de rendimentos”, remata José Veiga Sarmento.
FII versus REITs
O Governo anunciou que, até ao final de 2018, deverá apresentar uma proposta sobre a criação de sociedades de investimento imobiliário, os designados REITs (Real Estate Investment Trust). O anúncio foi feito pelo ministro adjunto Pedro Siza Vieira durante o Portugal Real Estate Summit, conforme noticiado pelo idealista/news.
A este propósito José Veiga Sarmento lembra que o “investimento que levantou o mercado da “letargia” tem vindo através de veículos estrangeiros, fundos do Luxemburgo, Familiy Offices e socimi espanholas”. Aliás, são as socimi de Espanha que vão ser, ao que tudo indica, o modelo seguido pelo Governo português.
No seu ponto de vista, “à semelhança do que ocorre noutras jurisdições, nomeadamente na vizinha Espanha, os futuros REITs nacionais poderão facilitar a recolha de capitais estrangeiros para investimento no nosso mercado. Ou seja, a existência de REITs nacionais poderá vir a oferecer aos investidores estrangeiros, mas também aos locais, um veículo, internacionalmente reconhecido, que lhes confere segurança”.
Esta é uma ideia partilhada por Pedro Seabra responsável pelo fundo imobiliário Explorer Investments Real Estate Fund: “Os REITS podem vir a crescer muito e a ter uma grande dimensão em Portugal, com, aliás, aconteceu em Espanha nos últimos quatro anos através da entrada essencialmente de capital novo e de investimento nesses veículos por institucionais por nacionais”.
Questionado sobre se acredita que, a serem realidade, os REITs poderão competir ou até mesmo fazer desaparecer os FII, defende que “os REITs não têm de absorver os Fundos”. Acredita que “os fundos abertos vão continuar a existir muito virados para o pequeno investidor, enquanto os REITs provavelmente vão atrair muito capital internacional que vem colmatar a necessidade muito grande que Portugal tem de investimento estrangeiro, mas vão atrair também capital nacional, sobretudo fundo de pensões e mais institucional de seguradoras”.
“Os REITs não concorrem forçosamente com os fundos abertos que vão continuar a ter o seu papel e a sua existência; sendo que os fundos fechados sempre foram um produto com pouco sentido e que tendem a desaparecer e tenderão ainda mais com o aparecimento dos REITs”, conclui Pedro Seabra.
Nota ainda para a Merlin Properties que avançou que esta socimi pretende aumentar a sua exposição ao imobiliário português mas que, para tal, “é preciso que o mercado tenha dimensão”.
Tudo está em aberto, até mesmo a possibilidade de transferência dos ativos dos FII para os REITs. Resta esperar pelo veredicto final do Governo.
Sempre a bater recordes
Até ao final de 2018, e tendo em conta o atual portfólio em pipeline, tudo leva a crer que o otimismo no setor imobiliário nacional, sobretudo no segmento comercial, está para durar uma vez que o volume total previsto poderá ascender aos 3.000 milhões de euros.
“2018 será um novo recorde para o mercado de investimento imobiliário comercial, a ultrapassar largamente a fasquia dos dois mil milhões de euros e motivado pela venda de portfólios nos segmentos de retalho e escritórios”, antecipa Alexandra Gomes responsável pelo departamento de research da WORX.
Para esta especialista é também notório que o mercado terá uma tendência natural para a “manutenção dos níveis de liquidez que continuarão a ser direcionados para ativos prime; estabilização dos valores de prime yield; e, por força da escassez de produtos típicos de rendimento, um aumento da atividade do mercado de development, direcionada para projetos residenciais e de escritórios”.
Já Pedro Valente, responsável Capital Markets da WORX, salienta que, como “grande parte do capital investido em imobiliário comercial tem origem estrangeira”, é claro que, “com o elevado nível de liquidez existente na europa e no mundo, se vai manter essa tendência, com entrada de capitais maioritariamente internacionais no mercado nacional”.
Já no que toca ao imobiliário residencial – que neste momento mobiliza em grande escala investidores estrangeiros e que recomeçou a dar trabalho a centenas de milhares pessoas em Portugal na reabilitação, na construção e no turismo – depende muito do consenso político com que for gerido o setor.
O presidente da APFIPP deixa o alerta: “O risco que se perfila de alteração das regras de arrendamento, criando de novo um desequilíbrio nos direitos de quem investiu, eliminará rapidamente as condições que suportam o otimismo que agora vivemos. Se o pacote neste momento em análise no Parlamento, não for substancialmente modificado, toda esta animação económica, não passará de um feliz, mas breve, interregno. Se conseguirem fazer parar o sector da construção, abre-se de novo o caminho da emigração. Seria verdadeiramente imperdoável”.
Fonte: Idealista